quarta-feira, 26 de maio de 2010

OS MORTOS NÃO FALAM MAS A HISTÓRIA FALA POR ELES


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Fazendo obras de melhoramento na Praça da Sé, local histórico no centro da cidade antiga de Salvador. A Prefeitura Municipal de Salvador e uma equipe do Museu de Arqueologia e Etnografia da UFBA, sob a chefia do Prof. Dr. Carlos Et Chevarne, arqueólogo e a fiscalização do SPHAN encontraram no período de dezembro de 1999 a janeiro de 2001, nas escavações das fundações da Velha Igreja da Sé (a que foi demolida em 1932), objetos e ossos quase completos de esqueletos humanos, com o corpo de lado e com a face no sentido poente. Crânios diversos e alguns com dentição completa que chamou a atenção de Drs. Especialistas em odontológia. Como também esqueletos em decúbito dorsal com o rosto virado para o lado direito.
Fiquei curioso em saber das posições encontradas nos esqueletos. Formulei várias hipótese sobre o porquê dessa maneira de enterramento no local tão católico e venerado pela população baiana da época. Sei que era comum enterrar os mortos dentro e fora das igrejas. Obedecia na época a vontade popular e os princípios da Igreja Católica, tão fortemente enraizado na cultura baiana.
A hipótese mais aceitável foi a maneira de sepultamento dos escravos mortos, africanos islamizados, chamados Malês, que viveram na Bahia até meado do século XIX, “cujos líderes eram Haussás e que foram presos, deportados e mortos no Levante de 1835 em Salvador”. Daí pra cá, não sabemos se houve sobrevivente do massacre ou não. Se continuaram com suas reuniões secretas ou fugiram para lugares distantes, com medo de serem identificados na sua origem. Em razão da terrível caça, combatida pelo chefe de polícia Francisco Gonçalves Martins e pela igreja Católica. Os Haussás ou Ucas eram considerados agitadores de revoltas em várias ocasiões. Vejamos o que disseram os nossos antigos historiadores a respeito dos enterramentos Malês: “Por muito tempo acreditou-se que os Malês, por hábitos quebravam os ossos ou desconjuntava-se os seus mortos, no ato de coloca-lo no caixão. Não é exato, apenas os deitavam de lado e não de frente, como é costume”.(Manoel Querino – “A raça africana da Bahia” – págs.110).
Haja visto que a palavras “Malê” não se configura como etnia, chamado “Malê” todos os africanos convertidos para o islamismo na Bahia e recôncavo baiano. Havia angolano, tapas, bônus, jejes, mandigas e outras étnicas.
Ritual da morte de um muçulmano Malê narrativa de outro historiador: “Lava-lhe o corpo primeiro, depois vistia-se com uma “camisu” branca ou chamada de “abadá”, punha-se-lhe na cabeça um gorro do qual prendia um cordão branco, o fila, que era o gorro cerimonial. Se fosse homem vestia-se 5 roupas de seu uso e se fosse mulher 7. Quebrava o corpo, desconjuntava os ossos do morto, antes de colocá-lo no ataúde ou simplesmente eles o deitavam de lado e não de frente, com o rosto virado na posição do nascer do sol. Enterrava-se no cemitério ao lado da igreja.”
“Todo esse processo era acompanhado de cantigos lúgubres e de instrumentos rudes sonoros, até o enterramento. Primeiro as orações, segundo o sacrifício e terceiro o banquete e as danças. Geralmente esses rituais fúnebres eram em um sítio ou fazenda. Sempre em local de área livre e não em ambiente fechado”.
Assim chamado de “Festa dos Mortos” – levava 3 dias.(“Negro na Bahia” – autor: Luis Vianna Filho – pág. Ll0 e lll).
Com estas afirmativas aumentaram as minhas suspeitas e mais “O cemitério dos africanos era situado ao lado do cemitério da Misericórdia, conforme indicação no Mapa topográfico da Cidade do Salvador e seus subúrbios, levantamento realizado à pedido da ilustre Assembléia Provincial da Bahia.”. Feito os serviços topográficos por Carlos Augusto Weyll”.(Von Martius e Von Spix – “Através da Bahia” – págs. 141 a 142).
Se lembrarmos da nossa História, vamos encontrar no local acima citado a igreja da Sé Primordial ao lado da Santa Casa da Misericórdia, em cujo interior havia um Hospital de Caridade. Onde os mortos indigentes saíam para serem sepultados em volta da igreja da Sé. Como também, eram inumados dentro das igrejas os irmãos das Irmandades. Já nesta época, havia o cemitério do Campo da Pólvora que pertencia a Santa Casa da Misericórdia. Ali também sepultavam mortos do seu Hospital, escravos e executados pela justiça, fechado em 1844. Tinha outro na periferia da cidade em Massaranduba para indigente da região.
Neste termo, há uma probabilidade de serem os esqueletos encontrados em posição curiosa, na Sé, sejam dos muçulmanos africanos ou mãos outras reviraram os mortos.
Nos registros de transportes (banguê), encontrei no Livro do Arquivo da Santa Casa(anotações incompletas), onde se lê: “ Etelvina, escrava do sr. Fulano de tal, de nação nagô, faleceu em 11 de outubro de 1835”. Outro registro: “João, escravo do sr. Fulano de tal, nação moçambique, morte “dor no peito” faleceu em 8 de março de 1835”, e ao lado da anotação o valor do transporte. Era o bastante para o registro do óbto. Não anotavam a idade, a causa morte em raríssimas vezes, e a residência do morto ignora-se. Só mais tarde, por volta de 1850, foi que prescreveram esses detalhes.
O sepultamento era registrado pelo vigário, cobrava da família ou da Irmandade o valor estipulado dentro ou fora da igreja. Há diferença do preço, estava na classe social e no local da sepultuta. Geralmente seria o local mais próximo para o aterramento.
Os africanos não declaravam a sua verdadeira religião ao padre confessor. Reservavam-se esse direito somente entre os irmãos da Irmandade ou da seita. Entretanto, havia muitos convertidos no catolicismo. A igreja Católica não aceitava outra religião que não fosse aceita no catolicismo. Porém, eram obrigados a sepultar os seus mortos dentro ou fora das igrejas. Normas para todos os defuntos católicos ou não. Não havia cemitério exclusivo até que foi construído o cemitério para os estrangeiros.
Acredito mesmo que por essa e outras divergências de origens sociais o islamismo na Bahia não floresceu por falta de números suficiente de adeptos. Havia o medo da represália depois da “Revolta dos Malês” em 25 de janeiro de 1835. Foi proibido por Lei Provincial a compra de escravos sudaneses, Norte da Nigéria. Principalmente os Haussás, Tapas, Bônus, Mali e Fulani. Mesmo assim, havia o contrabando nos mares brasileiros. Na realidade eles queriam a liberdade do culto, como todas as outras religiões vinda para o Brasil.
Retornando o assunto em que se trata está matéria. Os esqueletos da Sé Primacial do Brasil, encontrados em posições anormais, revela também a posição normal em que o corpo fica quando termina a decomposição.
É muito difícil comprovar quando não há documentos e na época a igreja não se interessava por esses assuntos. O mais importante era os pagamentos dos mortos.
O trabalho de Arqueologia do grupo do Museu de Arqueologia da UFBA, foi profícuo, obedeceu normais internacionais e pela primeira vez na Bahia, fizeram as escavações a vista do público que se aglomeraram no largo. Despertando grande curiosidade ao público que não estavam acostumados a ver esse tipo de trabalho. Não somente ao povo baiano mas também os turistas que ali trafegaram e fazendo perguntas aos Arqueólogos presentes no trabalho. Os turistas e baianos saíram do local, levando na mente as imagens do nosso passado. Os achados foram expostos na Prefeitura por semanas; louças, alfaias, ferramentas, ossos, crânios, esqueletos etc. São presentes dos nossos ancestrais para a cultura baiana.
Meus parabéns (retardatário), a Prefeitura Municipal que pelas mãos do Prefeito da época Antonio Inbassay, saiu a autorização, a fiscalização do SPHAN e toda a equipe do professor Carlos Et Chevarne.
Creio que outros trabalhos serão feitos em Salvador, para o engrandecimento da nossa cultura. A arqueologia, tão adormecida no tempo e pelos poderes públicos governamentais.
Em tempo, sugiro fazerem escavações no Campo da Pólvora, aproveitando as obras do Metro.
Álvaro B. Marques
Admirador da Arqueologia – SSA.24.03.2005

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