sábado, 22 de maio de 2010

BANBALÁ - A HISTÓRIA DO FEITICEIRO

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Já não se falam mais em bruxaria, feitiçaria, mandinga e outros sortilégios ditos pelo povo. Com tanto respeito e medo, como era no passado. Muito mais longe ainda, na idade média e até o século XVIII. Em tempo da Inquisição, levou-os a fogueira muitos dos seus adeptos. A caça que a Inquisição fazia era implacável, não havia distinção ou classe social que não fossem julgados. A condenação servia para mostrar o poder do catolicismo ortodoxo, em que tudo era obra do Diabo e para aplacar a sua ira, só a fogueira consumia.
Com esses pensamentos, os inquisidores levaram homens cultos e futuristas, mulheres honestas e profetizas a implorar diante da fogueira, misericórdia. Piedade negada até para aqueles que eram sacerdotes.
No entanto, os sonhos e os vaticínios fazem parte das crenças religiosas e jamais deixarão de existir no sentimento humano. A curiosidade e o medo para com o sobrenatural, sempre levaram e levarão o homem ao caminho do desconhecido, em busca de novos saber e aprimorar os seus conhecimentos.
Nos dizeres dos materialistas de hoje: “ Sabemos nós que vivemos em plena expansão da tecnologia e não há mais espaço para homens e mulheres viverem de sonhos e imaginações futurísticos, e que, é necessário cada vez mais o homem criar e produzir formas concretas e meios naturais para a sua sobrevivência.” È natural que pensem assim, o mundo se evolui e o homem tem que acompanhar sua trajetória evolutiva. Mas, isso não impede de desvendar segredos da própria existência ao que chamamos de ciência, a base do saber. O que está oculto poderá ser desvendado.
A bruxaria sempre foi uma prática condenatória, considerada profana em várias religiões, principalmente no catolicismo predominante na velha Europa. Seus adeptos degredados espalharam-se para as Américas descobertas.
Na História da Bahia, as primeiras bruxas chegaram ao Brasil vindo de Portugal, degredadas e aqui exerceram suas atividades na clandestinidade, mudaram seus nomes de batismo para confundir à Inquisição, no período de 1591 a 1593. “Visitação do Santo Oficio na Cidade de Salvador.” Mas não foi somente os degredados em bruxarias que à Inquisição perseguiu, os judeus também foram por muitos anos considerados pessoas nocivas ao catolicismo. O judaísmo era para a Inquisição uma prática da bruxaria.
O que vem a ser bruxaria; são práticas ocultas com base nos poderes da natureza: Água, Terra e Fogo. No espaço: Calor, tempestade, frio, luz e sombra. Na cor: As sete cores do Arco Ires. Na flora e na fauna, seus elementos de vida. E as palavras cabalísticas da ciência oculta – Magia Negra.
“ A Magia Negra veio do Oriente, remota região dos Magos Egípcios. È no Egito que a Magia se completa como ciência universal e formula um dogma perfeito. Cabala a mais pura tradição de Ocultismo. Segredo dos hebreus e da Magia quer de Zoroastro, quer de Hermes.”
“ A Magia era a ciência de Abraão e de Orfeu, de Confúcio e de Zoroastro. São os dogmas da Magia que foram esculpidos sobre as mesas de pedras por Henoch e por Trimegístus. Moisés os apurou e os revelou de novo. Ele lhes deu um novo véu quando fizeram da Santa Cabala a herança exclusiva do povo de Israel e o segredo inviolável de seus sacerdotes”.(Historia da Magia – autor: Elias Levi – l924 publicação.)
Aqui no Brasil, antes dos portugueses, os índios de diversas tribos do nosso país, tinham suas crenças em Tupã, seu Deus bom e temido, um espírito maligno, tenebroso, vingativo-Amangá, no Sul e Turupari, ao Norte. Adoravam o sol-Guaraci, mãe dos viventes e Luar Jaci, mãe nossa.
O céu era o seu santuário e na Terra a natureza viva em seus pés. Serviram para as práticas de feitiçarias através de seu Pajé. Não havia mulheres feiticeiras e não aceitavam imagens para adorações. Tinham suas ciências também no tempo, no espaço, na terra e nas águas. A natureza lhe oferecia tudo para o seu viver e a crença na fé.
Até que os jesuítas chegaram com suas catequeses, foram os que induziram aos indígenas a adorarem imagens e a fazer temer Tupã. Fizeram tudo para que eles esquecessem as suas culturas, muitos aceitaram outros não. Fugiram a maioria para o interior das suas regiões, foram caçados, mortos e escravizados. Mas, foram os jesuítas os principais defensores dos indígenas, contra a escravidão.
Sobraram muito pouco das culturais dos nossos antepassados. Muitos documentos escritos por padres e jesuítas sobre os indígenas, foram queimados em praças publicas pelos holandeses invasores. E anos depois, centenas de livros, também queimados no incêndio na biblioteca quando era ao lado da Catedral Basílica no largo do Terreiro de Jesus. Mais adiante, tivemos a triste perda de l6.000 livros destruídos no incêndio em 1912 no bombardeio da cidade. O que temos são narrativas de viajantes estrangeiros e historiadores do nosso passado, que tão bem souberam descrever o pouco que viram e ouviram dos nossos ancestrais.
Após a vinda dos escravos africanos e com suas crenças de origens, é que surgiram os chamados feiticeiros, macumbeiros, candomblezeiros, mandigueiros, pais de santo, mãe de santo e outros pejorativos trazidos por várias etnias africanas.Seus cultos estão baseados em elementos compostos da natureza e de seus orixás. São descendentes de primitivas seitas que ao passar dos anos mistificaram-se com outras aqui no Brasil.
O verdadeiro feiticeiro não trabalha na feitiçaria em grupo, exerce o culto isoladamente. Mora afastado de outras moradias, longe dos olhares curiosos, detêm o poder quase que exclusivamente e talvez seja por isso que a sua crença hoje, não é pura e não é definido. Seus ensinamentos foram passados de boca em boca e nada foram escritos.
HISTÓRIAS BAIANA:
Nas ruas estreitas do centro de Salvador, fins do século XVIII era comum ouvir falar do afamado feiticeiro Jô. Conta a sua lenda que, ao passar por uma rua no centro, o cocheiro de uma carruagem, ao apurar a sua pontaria com o chicote, resolveu experimentar em um velho africano que passava no local e fazendo pirraça, a ponta do chicote estalou na mão do pobre negro.
O africano rogou-lhe a “praga” de que nunca mais aquela mão bateria em outra pessoa. A tarde, o cocheiro estava com a mão doente e dois dias depois, agravava-lhe o mal.
Pensando que estava enfeitiçado, correu ao negro ameaçando de matá-lo se não o pusesse bom. O africano teria dito: “ yoyô, não mata não, foi uma lição só... espera... o má entra depressa, custa saí ... Má eu faz ele saí. E o fez o cocheiro bom.
Matula morava na 2ª. Travessa da Porta do Carmo. Afamada negra, alforriada, beirava os setenta e tantos anos. Quando ela saía á rua, o que era muito difícil, geralmente ia acompanhada de um séqüito de mucambas, todas pimponas e com jóias da patroa( ela fazia questão de mostrar suas escravas e as jóias). Seus trabalhos na Magia eram terrivelmente combatidos pela Igreja Católica, acreditavam que tinham conotações graves com o catolicismo. Até que a colocaram atrás das grades e silenciaram seus gritos. Sua condenação deu-se por motivos heresia.
Outros feiticeiros passaram por essa cidade, mais nenhuma se igualava em sua época, à Mariquinha, Lembá. Seu antigo terreiro, no local que é hoje o zoológico, abrigava uma enorme baobá( gameleira) árvore colossal, chamada na seita do Candomblé de Loco ou Loko. Era o ponto fundamental dos trabalhos do culto Lembá. Sua lenda correu fama e medo. Doze homens de mãos dadas não abraçavam está árvore. Quando Mariquinha morreu, a árvore começou a secar, seus galhos caíram e menos de um mês pouco restou da baobá.
Foram poucos os homens dedicados ao culto da Magia Negra, os que obtiveram o titulo de Banbalá iniciaram seus aprendizados na África. Para merecer, “a pessoa tem que ter qualidades e experiências irrefutáveis na Magia e conduta exemplar pessoais. São palavras escritas em língua Yorubá, encontradas numa aldeia perto da cidade de Lagos na Nigéria.
Aqui chegando com tal saber, era identificado por seus conterrâneos e reunidos criaram seitas. Para logo em seguida não poderem exercer seus cultos de origens. A proibição era implacável. Restou a fuga para o recôncavo ou interior da Província.
Nas páginas seguintes, escrevo a história de Umbata.
Umbata, negro “crioulo”, alforriado, descendente de africanos. Nascido na fazenda “Olho d’agua”, de propriedade do Capitão Antonio Bernardo Lisboa, plantador de fumo no recôncavo baiano.
Umbata, filho de pai ignorado e mãe mucamba. Desde pequeno gostava de fugir para a mata próxima da fazenda. E lá, passava de dois a sete dias dentro da floresta. Quando voltava, trazia sempre uma cobra viva na mão. Podia ser venenosa ou não, a ele não fazia mal. Sempre ao entrar na mata, ele assobiava de uma maneira que somente as cobras percebiam, e em segundos, havia em sua volta, várias cobras a rastejar. Conhecia a mata em profundidade, por isso o Capitão Lisboa, tinha plena confiança em mandar Umbata, apanhar madeiras sozinho ou acompanhado. E não estranhava em saber que o mesmo ficava às vezes, vários dias.
Foi com seus conhecimentos em cobras, que Umbata aproximou-se do “velho Banbalá”. Sempre pedia a Umbata, algumas espécies para os serviços da seita. Daí veio toda a amizade e respeito, não só com o velho, mas, também com o culto. Nasceu e cresceu assim, a fé em Dã e a acreditar cegamente em Ifã. Conheceu os apetrechos da feitiçaria muito novo. Seu orientador foi o “velho Banbalá”, eremitão, com idade bem avançada, cabeça toda alva, barba comprida e com três cortes em cada lado do rosto, sinal tribal da África. Vivia na “gruta d’água” a praticar bruxarias; rezas com cantorias, revelação de coisas perdidas e acontecimentos futuros, curas de certas doenças de escravos da região e pessoas outras.
Quando Umbata tinha folga nos serviços da fazenda, ele corria para a “gruta” e o velho babá” como também era chamado. Ensinava-lhe os mistérios do ocultismo; remédios a base de folhas e de insetos, ungüentos, trabalhos para amansar yoyô e yayá, união e desunião de casal, remédios com venenos de cobras para matar e para curar. Principalmente o Ibá, cujo preparo requer sabedoria na escolha das misturas. Enfim, passou todos os segredos naturais que um curandeiro têm no oficio milenar.
Passa o tempo, muito velho e cansado, babá morre e pede para Umbata cuidar da “gruta” e do culto. A “gruta” não pertencia á fazenda, ficava a dois quilômetros distante. Era um pequeno lote de terras que fora doado ao velho Banbalá, pelos seus serviços praticados em beneficio de um antigo fazendeiro da região.
Todos os moradores da região souberam da morte de “velho babá” a tristeza foi grande por vários dias. Deu-se o ritual da cerimônia fúnebre da maneira congolesa. Lágrimas, canções monótonas a base de instrumentos rústicos e a exéquias: Lamentavam sua morte, sua bondade e o seu poder na Magia eram comentados entre os pobres e os ricos fazendeiros.
O capitão Lisboa, já tinha dado a carta de alforria a Umbata. Quando ele resolveu deixar a fazenda, já era livre. Foi morar na “gruta” a pedido do “velho babá” e assim continuou a exercer o culto com mais liberdade, sabedoria e aprovação de todos que participaram da seita da serpente Dã.
Sua mãe ficou na fazenda era o seu lugar cativo. Ele não podia tê-la ao seu lado ainda era escrava, essa era a sua preocupação e tinha o dever de comprar a sua liberdade.
O tempo passa, Umbata torna-se conhecido e respeitado, nada no preceito é desconhecido. Sabia preparar o Efifá, a Mutemba e o Aripá e outros segredos da seita primitiva, guardado na mente de cada substituto de um Banbalá.
Um certo dia, o capitão Lisboa morre, e seu filho primogênito assume a direção da fazenda. Seu primeiro ato, foi expulsar todas as mucambas velhas da casa grande e dentre elas, estava a mãe de Umbata. Em troca, ele colocou meninas, “mulecas” para serví-lo e sujeitar os seus caprichos perversivos. A mãe de Umbata, Zezé, como era chamada, foi para a senzala, juntou-se a outras escravas que trabalhavam no campo. Mas, a velha Zezé, não tinha mais idade e muito menos forças para trabalhar na enxada ou carregar farto de folhas de fumo na cabeça. Não era alforriada, o filho por diversas vezes ofereceu pagar o valor da carta de alforria e o finado Lisboa, tinha sempre um valor maior. Assim, ele não tinha o suficiente para comprar a liberdade da mãe. Lembrou-se que a sua liberdade, foi através de várias súplicas de sua mãe, e também houve pagamento em dinheiro das reservas obtidas da Irmandade de Nª. Sª. Do Rosário a qual sua mãe era filiada.
Quando Umbata soube da atitude de Lisboa Filho, ficou indignado e resolveu vê a mãe, como também, falar com o fazendeiro. Não foi bem recebido, o Feitor da fazenda, foi o portador do recado do Lisboa: “O sinhozinho não quê fala com ocê – meió imbora”. Umbata respondeu: “Entá vá, dis a yoyô qui amenhã eu vorto, pra sabe o qanto é a cata di liberta di mi mãi.”
Saindo da casa grande, foi ver a mãe na senzala, ao vê-la, encontrou-a deitada na esteira, no chão, no canto do salão mal iluminado, no ar, um forte cheiro de fumaça, vindo do fogão de lenha. Teve pena, carregou-a e levou até a sua carroça, para transportar à gruta. Na “gruta”, ele acomodou-a e deu-lhe uma canja de galinha de Angola, para refazer as forças e remédios a base de folhas e raízes de legumes.
No dia seguinte, bem cedo, Umbata, pegou a carroça e retornou à fazenda. Estacionou a carroça em frente á casa grande e bateu palmas. Logo apareceu o Feitor, do alto das escadas, diz:”Sinhozinho diz qui ocê trazê de vortá a Zezé, tem trabaió pra ela faze no campo, mió trazê.” Umbata respondeu: “yoyô não falô o qanto de réis é da catá, por qui ? Eu quê cumpar. Ela tá doenti moço ! Não podi má trabaiá.” O Feitor respondeu: “ Vem com Zezé di vortá ou tenho qui trazê no cabrecho”. Umbata, diz: “Si é assi nhô, ela não vortá”. O Feitor deu uma rabanada no corpo e entrou na casa grande. Umbata trepou na carroça e foi embora da fazenda.
Dentro da casa grande, o Feitor imediatamente comunica ao Sinhozinho o ocorrido. Lisboa diz: “ cabra safado, vá lá, traga a velha e dê uma surra neste negro feiticeiro, bota no tronco”.
O Feitor reuniu seis escravos fortes e foram caminhando para a “gruta”. Neste espaço de tempo, Umbata já tinha chegado à “gruta” e conversou com a mãe, já bem melhor. Ela ficou preocupada quando soube da vinda do Feitor e pediu ao filho para voltar. Ele não aceitou e disse-lhe; que ela estava doente e não podia mais trabalhar.Nisso ouve-se gritos no lado de fora da “gruta”, era o Feitor e seus ajudantes. Em pé, com a porta aberta. Umbata, não reagiu, amarrado na cintura e preso com as mãos por entre cordas, até a sela do cavalo do Feitor. Em quanto o Feitor montado no cavalo, Umbata estava caminhando preso no animal.
Levado para fazenda, lá estava o Lisboa, no centro do campo, movimentando o chicote de três tiras de couro e nós nas pontas. Dando a entender que iria chicotear Umbata. Quando ele viu Umbata, mandou levá-lo para o tronco e ordenou ao Feitor chicotear. Preso no tronco, mãos e pés, Umbata assobiou três vezes e apareceu ao redor do Feitor, cinco cobras jararucú, dobrando o corpo, prontas para o bote. Ao ver as cobras, o Feitor saiu correndo e largou o chicote no chão. O Lisboa não acreditou no que viu e mandou outro escravo apanhar o chicote, para iniciar a súplica. Só que nenhum deles que estavam presente, tiveram a coragem de fazer. Saíram correndo, o medo tinha se espalhado entre eles.
Vendo que estava só, Lisboa não teve outra alternativa a não ser de retirar-se para o interior da casa. Ao passar alguns minutos, outros escravos aproximaram-se do tronco e saltou Umbata, novo assobio fez ouvir e as cobras rastejaram em direção ao mato. Livre das cordas, Umbata pediu para ver a mãe que também tinha voltado da fazenda carregada no bangüê por escravos de sua confiança.
Ambos se abraçaram, mas ela, já estava muito fraca, pouco respirava, sentia fortes dores no peito, e não podia mais falar. Deram-lhe água, logo a seguir um último suspiro. Faleceu nos braços do filho, Umbata, desesperado, saiu da senzala, levando o corpo da mãe na carroça em direção a “gruta”.
Fez-se funeral simples, igual de outros escravos. Enterrou a velha Zezé, perto da “gruta”, junto da sepultura do “velho Banbalá” e jurou nunca mais pisar na fazenda “Olho d’agua”.
Lembrou que muito novo, teve pouca convivência com a mãe. Aos seis ou sete anos, ia ao trabalho no campo para colher fumo e á tardinha retornava. À noite é que ficava perto dela, muito pouco. Os serviços na casa grande, impedia-lhe de ficar mais tempo com ele. Na senzala ficava outras crianças, sempre em vigília de escravas velhas e outras doentes. “ Pessoais inúteis para a fazenda” dizia o Feitor para essas mulheres.
Umbata, cresceu sem nunca ter ido ao tronco, nenhuma reclamação teve do finado Lisboa sobre os seus serviços. Também nunca levou castigo, obediente e honesto. Por isso, não admitia injustiça.
O finado Lisboa, tinha seis filhos, sendo três homens e três mulheres. Coube ao mais velho, administrar a fazenda e os outros irmãos e irmãs, moravam na Capital. Vinham muito pouco para a fazenda. Por isso, ele fazia o que queria na fazenda. Não prestava, arrogante, perverso com todos, aproveitador das donzelas escravas mucambas. Quase todas ficavam grávidas do maldito e de nenhuma reconhecia a paternidade. Quando a criança crescia, era tratada como escravo ou seria vendido, ele dava preferência à criança do sexo masculino, para ficar na fazenda e geralmente as crianças do sexo feminino ele vendia ou arrolava em comercializações.
Certa manhã apareceu na cancela da “gruta”, uma mucamba da casa grande do nhô Lisboa. Ela pediu para Umbata, preparar uma poção de Aripá, pós pretendia fazer justiça. Não perguntou que tipo de “justiça”, não cabia a ele saber os finalmentes. Só que o remédio serve para matar e curar pessoas e animais.
Umbata, levou três dias para preparar o Aripá e vencendo esses dias a mucamba apareceu, pagou e levou o remédio. Ele recomendou- a colocar três gotas para remediar e não mais do que isso, pode matar. Entregou-lhe a pequena cabaça contendo o Aripá e ela seguiu. Em menos de vinte e quatro horas o nhô Lisboa estava espumando pela boca. Foi um corre e corre danado na fazenda. Por mais que fizessem nada retornava a vida. Quando o médico chegou, o defunto já estava encomendado. Providenciaram o caixão, o padre foi chamado e o enterro foi no cemitério perto da igreja da fazenda.
A mucamba justiceira fugiu, carregando no ventre o filho e uma sacola. Caiu no mato e esbarrou em um Quilombo bem distante da fazenda. O feitor desistiu da procura havia já semanas, no Quilombo ele não entrava.
Tempos passaram a fazenda prosperou na nova administração de outro irmão de Lisboa. Homem bom e muito católico.
Umbata, recolheu-se na sua “gruta” e outras histórias contaram do novo Banbalá.
FINAL DA PRIMEIRA PARTE
B A N B A L Á - 2ª Parte
A chamada “gruta d’agua”, local em que Umbata morava, era uma boca de caverna, incrustado numa rocha, dentro havia pequena cascata e um lago com água cristalina, aonde ele usava para banho, beber e uso doméstico. Era água corrente, descia por uma fenda ao lado esquerdo da “gruta”. O tamanho dessa caverna era média, mais daria para uma família abrigar-se. Havia claridade proveniente de duas aberturas, fendas naturais, no topo laterais da rocha, o ar por ali penetrava, dando uma temperatura agradável de frescor.
Tudo ali estava em ordem, uma mesa tosca, grande, dois bancos de madeira, uma boca de fogo(fogão à lenha) panelas, pratos, canecas e moringa, tudo de barro. Perto da lagoa, se encontrava um altar de oferendas, não havia imagem, somente uma cobra talhada em pedra, que parecia real e tamanho assustador, feito pelo “velho Banbalá”, ao lado e em frente da cobra, potes e jarros para ofertar ao culto da Serpente Panga, originária do Congo e Dã de origem daomeana; uma cobra menor, enroscada no cipó perfilado, em cima de uma pedra branca, perto do lago. Essa estava viva.
No lado oposto da caverna, tinha uma longa esteira de palha de coco e uma rede ao lado. Um baú de madeira velha, que servia para guardar roupas e outros objetos. Na frente uma porta cancela, limite de entrada da caverna.
Ali era o mundo de Umbata, no lado de fora da caverna, ele tinha uma horta em que plantava e colhia; mandioca, aipim, inhame, batata doce, melão, abacaxi, quiabo, maxixe, jiló, abóbora e hortaliças. Tendo sempre as indispensáveis folhas medicinais. Dessas plantações, ele tirava para o seu sustento a outra parte vendia para os moradores da região. Tinha o que viver, não precisava de nhô. Não tinha companheira, para dividir suas mágoas. Mas, sempre aparecia mucambas de sua amizade, para se fazer de “afilhada” no momento regalo da vida.
Rodeado de mata-virgem e de muitas árvores frutíferas, ele tinha tudo para viver em paz com a Natureza. Dela ele sabia extrair tudo que precisava para a sua seita e para a sua sobrevivência.
Confessou ser invulnerável às picadas de cobras, “ esfregando o corpo à erva do urubu”. Também dizia que: “a mordida da cascavel cura da lepra e outras doenças de pele”. “A jararaca é a cobra mais respeitada pelos adeptos da seita”.
Tratava seus irmãos com muita simplicidade e igualdade, não se recusava a ir para qualquer lugar em momento algum, para atender um chamado de doenças: Dores nos ombros e nas costas – provenientes de excessos de pesos. Nos pés; cortes profundos, doenças de bico de pé, erisipela. Dores no estômago, intestinais e no fígado, de motivos diversos mais apropriado por ingerir muita alimentação a base de dendê e farinha de mandioca, levando em conta o excesso da pimenta. E outras doenças provocadas pelo hábito de andar descalço, costume da África. Eles diziam: “caça pé é cosa di nhô, negô na gota. Tamanco dói pé, escorega. negô gota é di pé na terra, senti chão”.
Certo dia, ele soube por um viajante, que na Capital, e no recôncavo, estava surgindo uma doença misteriosa, as pessoas morriam em menos de três dias, com febre alta, vômitos e dores no corpo, não comia e nem bebia. O povo deu o nome de “Bicha”, “peste da bicha” ou febre amarela de hoje. Mas ele não se assustou, dizia que “ali no mato, essa peste não vem”. Ledo engano, os donos de Engenhos do recôncavo, tinham escravos na Capital e foram acometidos dessa doença, para mudarem de ar, levaram seus doentes para os Engenhos ou fazendas, para melhor se tratarem e aí espalharam a “peste”, por toda a região.Centenas de mortes sucederam em pouco espaço de tempo. As igrejas não mais tinham como enterrar os mortos de suas confrarias muito menos para os indigentes. Foram abertos cemitérios públicos, na Capital e no interior, os números de mortes se elevaram. Como disse o historiador: “ as casas enchiam-se de moribundos, as igrejas de cadáveres e as ruas de tumbas”.(Sebastião da Rocha Pita –Historia da América Portuguesa).
Só que desta vez, com menos mortandade e mais atribuições religiosas. Em desespero, o novo dono da fazenda “Olho d’agua”, mandou chamar Umbata, para que ele ajudasse a curar seus escravos da devastadora “Bicha”. O médico da região, não dava conta de tantos chamados e os poucos remédios que tinha já não dava resultado satisfatório. Ele Dr. Cardoso, pediu reforço à Capital para vir outros médicos e relatou a calamidade ao chefe da saúde da Capital.
Umbata foi à fazenda, sem muito gosto. Tinha suas tristes lembranças. Mas, o pedido tinha seus méritos e o dever de ajudar os irmãos da sua raça era maior do que qualquer rivalidade do passado.
Ao chegar na fazenda,ficou assustado com tantos irmãos doentes. Não sabia o que fazer. Trouxe com ele, uma sacola cheia de raízes e ungüentos já preparados, e folhas diversas: capeba, cabeça de negô, fedegoso semente, girassol semente, macela galega, semente de quiabo, viola, todas essas folhas e raízes como às sementes, servem para dores no corpo, febre e vômitos. Além disso o mato era a sua Botica. E assim, procedeu Umbata, conseguindo sustar a doença logo no início, os casos mais graves ele lutava e poucos escaparam do terrível flagelo. Era triste, vê seus irmãos e outras pessoas que chegavam à fazenda morrerem tão depressa. Levados para o cemitério em bangüês e com fúnebres entoados por seus companheiros de infortúnio.
Anunciaram que a doença, vinha pelo ar e não acreditaram em contágio e infecção. Após ter espalhado a doença e feito numerosas vítimas de várias classes sociais, e os Engenhos e fazendas ficaram quase que desertos. Foi quando o governo provincial tomou certos cuidados em higiene pública. Aplicando leis municipais em quem jogasse lixos ou dejetos em vias públicas, determinando que jogassem no mar ou rio corrente. Mesmo assim, não exterminou a doença. Levou mais de hum ano o tamanho das perdas humanas.
Neste espaço de tempo, Umbata deu assistência a outras fazendas e Engenhos. Mas, a doença pegou também a quem fazia cura e levou-o à cama. Foi levado em romaria pelos irmãos para a sua “gruta” e lá não resistiu, faleceu com todo o vigor dos seus quarenta e três anos. Antes do sepultamento, seu corpo foi lavado e revestido com cera de carnaúba. É velado por seus amigos, com cantos fúnebres. Vestiram-lhe uma mortalha branca e o seu corpo coberto de flores jasmim. Em cada prosseguimento do ritual no corpo do morto, entoavam-se uma canção diferente, lúgubre, em língua Nagô. Até a colocação do corpo numa tábua, em que quatro irmãos da seita levaram no ombro até a cova. Sempre em compasso e ritmo musical fúnebres com dança. O cortejo seguiu. Enterrado no pequeno cemitério, perto da “gruta”,ao lado do jazigo da mãe e do “velho Banbalá”.
Morreu Umbata, morreu a Seita da Serpente Panga do “velho Banbalá” de origem congolesa. Morreu também o culto a Dã, a qual Umbata era fervoroso adepto. Umbata não teve filho, nem herdeiro da sua cultura espiritual. Se teve filhos, não levaram ao seu conhecimento, as mucambas suas “afilhadas”, eram escravas de senhores de Engenhos ou de fazendeiros plantadores de fumo ou de algodão. Quando elas ficavam grávidas, os seus filhos, ao nascerem, pertenciam a seus senhores e já em tenra idade eram obrigados a trabalhar. Era um procedimento normal, ou quando a criança ao completar dez anos, já seria inclusa em negociações comerciais e em inventários familiares. De forma que, Umbata não passou seus conhecimentos de feitiçarias a ninguém da sua confiança. Creio que não houve tempo para a escolha, muito menos o culto, guardado com muito segredo. Tanto da Serpente Panga como Dã, essa última de origem daomeano. Ambas de muita complexidade, regida em cada estação do ano com datas estabelecidas em calendários tipo lunar. Era nessa data que os adeptos se reuniam. Dentro e fora da “gruta” faziam as cerimônias.
Com a morte de Umbata, a “gruta” foi fechada e ao passar por perto, seus irmãos referenciavam o local.
FIM
NOTA DO AUTOR
O culto de seitas africanas no Brasil eram de acordo a sua étnia, cada qual com seus dogmas e hábitos ancestrais. No decorrer dos anos da escravidão os dogmas foram desaparecendo ou unificando a outras de origem vigente. Até chegar ao candomblé de hoje, de descendência angolana e jêje de linguagem Yorubá.

PEQUENO VOCABULÁRIO:
DÃ- serpente sagrada que simboliza o movimento, característica da vida, também chamada DÃNH-GBI pelo povo de Daomé, hoje Benin. Serve de base à religião dos Voduns em Haiti”.( Sincretismo Religioso Afro-brasileiro) autor: Waldemar Valente )
Ifan ou Ifã: - Divindade do amor em todos as suas fases, revelador do passado,presente e futuro. O grande adivinho.
Banbalá: - significa: feiticeiro mestre, o mais velho dos feiticeiros, palavra em nagô. O mesmo que Aboré ou Abali-réh o sacerdote. Chefe do terreiro.
Ibá: - termo nagô: Pó que o feiticeiro fabrica de ervas e raízes, como também, servie dos cabelos, ossos, penas, unhas e outras partes de animais, para dar sorte a quem o leva e espalhar,ou para ser atirado as costas de alguém a quem se deseja governar ou fazer qualquer mal.
O Ibá, é preparado dentro de uma quenga (casca de coco), vasilha.
Efifá: - termo nagô – Pó de besouro torrado, chamado “pó de Ifan”, onde grande revelações faz ver, de coisas perdidas e protetor das relações sexuais.
Mutemba: - Pó, raspa-se o chifre do boi, com o pó mistura-se com o pó da pimenta malaqueta seca. E conserva-se na folha de bananeira por 7 dias. Depois pode-se repartir para as pessoas usarem como afastar maus olhados ou maus espíritos.
Aripá: - Poção extraída da cobra sucuri ou jararaca. É preparado com raízes de plantas. Tanto pode ser para o bem ou para o mau, dependendo da quantidade aplicada para + ou para – do veneno. Também é reconhecido como veneno preparado pelos escravos africanos no Brasil e apropriado aos inimigos: “veneno Aripá, preparado da cabeça da cobra cascavel”. Utilizado ainda pelos caboclos no sertão nordestino.
Peste: - Termo genérico muito empregado antigamente, para designar um grande flagelo, uma doença provocadora, de extrema epidemia, com grande poder de mortandade: - “peste” de bubônica, “peste” bovina, etc.
Álvaro B. Marques
SSA, 11.04.2004
P r e f á c i o
Para construir a história Banbalá, fui encontrar recursos nas Histórias da Magia Negra e nas bruxarias tão apregoado na idade média da Europa. Antes, passei na memória do Oriente e vislumbrei o passado dos Magos ocultistas. Deixou-nos fragmentos de uma doutrina milenar, deturpada por vários sacerdotes e sábios na parte ocidental da Arábia. Cresceu e floresceu na astrologia dos oráculos.
Passei essa viajem para o nosso país, tão rico em expressões folclóricas e lendas de um passado místico que a miscigenação deixou como legado.
Focalizei a escravidão e os escravos africanos que muito contribuíram para a construção das primeiras economias do Brasil. Evidentemente, nasceram histórias e lendas no percurso brasileiro.
Mais do que os índios, os africanos passaram um pouco mais de 300 anos para ter a sua liberdade e deixou fartos materiais da sua cultura. Enquanto que os indígenas recorreram à fuga para o interior. Já tendo a liberdade e a convivência com jesuítas e padres como testemunhos da sua cultura. Para citar também, os Bandeirantes desbravadores e aniquiladores dos índios brasileiros.
São lembranças de acontecimentos tristes da nossa História em que não podemos esquecer. Está nas raízes do nosso povo.
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autor: Álvaro B. Marques.


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