segunda-feira, 17 de maio de 2010

BANZO


Banzo, palavra de origem africana. Trazido por escravos africanos, na época do tráfico no Brasil: significa; saudade, nostalgia. Era o sentimento do escravo longe de sua terra, da sua gente, do seu lar, da sua religião, dos seus costumes.
Quando ele tinha o Banzo, ele se isolava não comia e não bebia. Triste, no canto, a lamentar em sua língua a desdita da sua vida. Muitos neste estado “ tirava a vida”, recorria ao meio mais rápido de abreviar sua dor, seu sofrer.
Mesmo àqueles que tinham anos de vivência aqui, não se conformavam. Faziam tudo para obter a liberdade, através de carta de alforria ou fuga para os Quilombos. Mas, o objetivo principal era voltar para a sua terra, pisar o chão onde nasceu e esquecer o lugar em que não pediu para ficar. Poucos conseguiram realizar esse sonho. E a cada navio negreiro aportado em nossos portos, trazendo mais escravos, seus ideais ficavam longe de serem realizados. Assim, foi todos os séculos XVI, XVII e até meado do século XVIII – mesmo com as leis de proibição imposta pela Inglaterra e o Brasil, continuaram o tráfico humano na clandestinidade.
Logo abaixo, transcrevo um texto de lamentações de um escravo com Banzo:
“Há !... Se eu pudesse tirar essa cor. Tirava pra todo o sempre. Rasgava a carne e tirava a pele, não deixava nenhum vestis, igual como se tira a pele da galinha, puxa, puxa, até sair. Só pra não ter que sofrer mais das mãos do nhô (seu patrão) que sempre diz: “Vá trabalhar nego ! Se assunta nego ! Ou diz aquele xingamento nojento: “Nego quando não caga na entrada, caga na saída.”.Triste é ouvir isso a vida toda. Estou cansado de corpo e alma, se fosse somente às palavras, dava para suportar. O pior são as chibatas e outros castigos cruéis, faz da gente um bicho do mato, pronto pra matar ou morrer. Já não penso em querer mais viver. Tenho muita saudade da terra, da liberdade, esta é a dor da esperança, é maior do que a dor da chibata; feri o corpo, lasca a carne. Mas, é a dor que fica remoendo dentro da gente, consumindo a cabeça, cansando o corpo e molhando os olhos, só em pensar na terra livre que estar longe.
Há ! Como tenho inveja dos pássaros, como é triste o meu viver!...Se eu pudesse, se eu pudesse !...
Outra história de Banzo, escrito pelo padre Manoel Ferreira da Silva, pároco da igreja da Palma em 1888. Confissões de um ex.escravo:
“ No confessionário estava em genuflexo, diante de mim, um homem preto, amargurado pela dor e sofrimentos de anos. Estatura média, cabelos carapinha brancos, com três cortes verticais em cada face  (sinal tribal ); camisu branco tipo baeta, com a cabeça baixa à chorar. Sua voz saía confusamente, mas eu já estava acostumado com o linguajar dos africanos. Suas palavras diziam: Nhô padre, sua benção, venho em busca de alívio da dor consumida no peito. Sou católico e fui batizado na igreja do Engenho Novo, meu único nhô chamava José Pestana da Hora. Fui pra lá, muito moço, vindo de uma leva de escravos da Àfrica. Durante todos esses anos que fiquei na fazenda de fumo do nhô Pestana, só conheci o trabalho e o sofrimento, dia e noite. Não tive mulher, nem filho, pra quê ? Nesse sofrer melhor não ter.
Vivi só, isolado da senzala. Porque eu sabia tudo da fazenda, mais era tratado igual aos outros, sem eira e sem beira.Eu pedi muito ao nhô Pestana para ter um pedaço de chão, para plantar e fazer uma cabana para cobrir o corpo. Ele negou o pedido e disse que “ dando comida já é pagamento, fora outras despesas”. Tudo que temos na fazenda é de nhô Pestana, nada é nosso. Pedi isso em troca do meu trabalho, nada ele aceitou.Se não fizesse o trabalho à chibata tirava o couro do nego.
O tempo passou, chega agora à Lei Áurea e da á liberdade dos escravos. Meu corpo já dobrando pelo peso dos anos e dores nas costas. Cada vez mais olho para a terra aonde irei em breve dormir para sempre Estou livre por força da Lei, não pelo gosto de nhô Pestana. Mas, está liberdade deixou um rastro de sofrimento no caminho de todos os irmãos libertos. Porque não têm trabalho fácil, principalmente para os velhos alquebrados como eu. Não acho trabalho leve, só pra mulher ou ficar no “ponto” a fazer chapéu e gaiola para passarinho, é o que faço as vezes quando acho freguês. Só acho trabalho pesado, meu corpo não pode.
Nhô Pestana não me quis mais, disse: “ que eu estava velho doente”, saí da fazenda e andei pelas estradas a fora, até chegar aqui. Única maneira que achei para comer foi pedir esmola e dormir na rua. Já não agüento mais, nhô padre! Peço mais uma vez à sua benção, vou dá fim em mim.”
“Nesse momento, veio-me a vontade de perguntar o seu nome. Mas, calei-me, o momento não era oportuno, pra que saber? Diante daquele homem ouvindo suas palavras verdadeiras, o nome não é tão importante assim.Vale mais seus sentimentos do que os nomes mais importantes do universo. O nome revela a identidade da pessoa e não à personalidade. Procurei consolar com palavras de Jesus Cristo, que deixou para consolar os aflitos. Mas não era tudo, precisava fazer algo de sólido para aquela criatura carregada de tantos sofrimentos na carne e no espírito. Era necessário com urgência, póis a sociedade excluiu e marcou à sua vida.
Morava eu, perto da igreja, na rua do Tingui, no fundo da casa, tinha um quarto vago.Chamei o infeliz para essa morada, e dei a ele quase tudo de material. Fiz meu ajudante na limpeza da igreja e da casa. Já sabia seu nome de batismo “ da Hora” e o seu nome africano era Gunza, de nação Tapa. Sua idade não sabia, como a maioria dos deportados da África.
Assim vivemos um curto período, até que ao chamá-lo pela manhã, para irmos à igreja ele não respondeu como de costume, estranhei e fui ao seu quarto.Ao bater na porta, estava aberta e ao olhar no interior, encontrei o corpo de Gunza ao chão, sem vida, rígido. Estava morto, fechei seus olhos e dei a extrema-unção.Orei para sua alma, pedi a Deus para receber mais um filho da horrível escravidão. Pobre Gunza, só passou pela vida e não viveu na liberdade, longe da terra e de todos os seus. Não soube sequer conhecer o outro lado do ser humano que é a bondade e a caridade alheia, quando conheceu Deus a chamou para a sua seara. Morreu só sem o único adeus”.

Manoel Ferreira da Silva
Vigário da Igreja de Na.Sa. da Palma
Baía de todos os santos – 20 de maio de l888

NOTA DE ESCLARECIMENTO:
O Banzo, também se caracteriza pelas mortes-suicídas: “Dentre as causas invocadas pelos escravos, para auto-eliminarem, avultava o receio dos castigos a que os sujeitavam. Sem conta são as notícias de suicídios originados dos desesperos e nos sofrimentos causados por castigos iminentes ou até mesmo já sofridos. Muitas daquelas infelizes criaturas após submetidas ao barbarismo dos açoites, à humilhação dos libamos, ao sofrimento do tronco, à vergonha da galilha, ao vexame de máscara, muitos deles recorriam ao suicídio como forma de reação, como ódio de vingança, e, por não dizer, por ânsia de liberdade”.( do livro: “Da fuga ao suicídio” – aspecto da rebeldia dos escravos no Brasil – autor: José Alípio Goulart págs 123 a 130 )

É BOM SABER: Descrição do escravo africano vindo da África; Todos com sinais em letra ou simbolos no rosto, nas mãos e nas costas. Devia ser em local visivel do corpo. Segundo consta em livros de assentamentos de escravos que os sinais eram marca de castigo por ato de indiciplina ou roubo.

Álvaro B. Marques
SSA, 28.01.2004


Nenhum comentário:

Postar um comentário