quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A PIEDADE E A JUSTIÇA


Nas “Memórias Históricas e Políticas da Bahia” de Inácio Acioli de Cerqueira e Silva, pág. 151 escrito em 1835, vem narrando uma discórdia entre a Santa Casa da Misericórdia e a justiça, motivada pela execução de um condenado.

As Misericórdias de Portugal e do Brasil, tinham o privilégio de cobrir com a sua bandeira os condenados à morte que escapavam por acidente no momento da execução. Em certos casos em que rebentasse (partisse) a corda ou quebrava-se qualquer um dos instrumentos de súplicas (força ou guilhotina) e caía o infeliz ao solo ainda vivo. O porta estandarte, imediatamente, cobria a vítima com a bandeira da misericórdia, considerava-se este ato como cumprida a sentença. Estava salvo o condenado à pena última. Vários conflitos se originaram em conseqüência desta prerrogativa. Isto porque a corda era fornecida pela Santa Casa. Acompanhava os irmãos da Irmandade o sentenciado e ele levava a corda. Tocavam a campainha e rezavam em procissão chamando a misericórdia, misericórdia...Não raro a corda era antecipadamente imersa em água fria para que se tornasse mais rígida. Porém, a corda não resistia com o peso e partia. Veja este caso: “ Dois réus foram sentenciados à pena última. Durante a execução um deles caiu com o algoz do alto do patíbulo. Quebrava-se um dos travessões. Estava vivo. A Irmandade da Misericórdia, usando de seu antigo privilégio cobriu o réu com a sua bandeira. Estava cumprida a sentença, conforme a praxe.

O meirinho das execuções não se conformou com o caso. Maldosamente, avançou para o condenado e desferiu vários golpes de estocadas. Irritaram-se os irmãos e o povo. Quiseram “atassalhar” agredir o meirinho. Salvou-o a presença de um vereador Jerônimo de Burgos que presidia à execução e mandou recolher o assassino à cadeia sob grande escolta. Em vão, tentou o povo agredir o oficial. A Irmandade seguia então para o palácio governamental acompanhada pelo povo. Levava a bandeira estendida em sinal de protesto e exigia a imediata punição do culpado. O Governador não se comoveu com o clamor público. Mandou dispensar a multidão pela guarda e prendeu os irmãos da Misericórdia. Só saíram da cadeia por intervenção do procurador e desembargador Dionísio de Azevedo Avellar. Por carta régia de 30 de abril de 1716 com esse procedimento aprovado, declarando-se, ainda, que em casos semelhantes ao que provocara o tumulto a pena seria executada.

Ato desumano! Não conheciam o perdão nem o conforto que dá o sentimento de piedade. Não meditaram sobre a beleza desta virtude, na amplitude da súplica, implorando piedade para tudo e para todos que saem da normalidade da natureza e a boa razão impõe na harmonia da sua contextura, piedade é súplica do perdão “para o pobre moribundo” – “ para o lobo que devora” – “ para a pedra que esmaga” é o último pedido do criminoso, piedade... E mais uma vez o pedido do povo e as normais muito antiga da Santa Casa não foi respeitada.”

(Fonte do livro: Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia” vol. 69 pág. 225/226 )

MEUS COMENTÁRIO:

A Religião e o poder da Irmandade naquela época, dobravam força com a justiça o que não era aceito pelo Governo e entravam sempre em choque movido por interesses particulares. O povo católicos e fervorosos e quase sempre contra o governador.

A RELIGIÃO NÃO PODE INTERVIR NAS DECISÕES DA JUSTIÇA, SOBRE QUALQUER PRETEXTO A SENTENÇA É SOBERANA. Por essas e outras razões foi separado o Estado da Igreja em 1890. Vamos ler abaixo:

Note bem: Separação entre o Estado e Igreja. Entre as primeiras medidas do Governo Provisório estava a separação entre a Igreja e o Estado. Além de não mais existir uma religião oficial no país e de estabelecer a plena liberdade de culto, o Estado assumiu uma série de funções importantes que antes eram prerrogativas da Igreja católica. Até então, a emissão de certidões de nascimento, casamento e mote eram atribuições eclesiásticas. A partir da promulgação da lei de 1890, contudo, apenas os registros civis passavam a ter valor legal. Ao mesmo tempo em que a Igreja saía da tutela do Estado, perdia os controles da vida social que detivera. Uma das mudanças mais polêmicas foi a instituição do casamento civil que possibilitaria a separação legal dos casais, inadmissível pelo catolicismo.

Trabalho de pesquisa de Álvaro B. Marques

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