sábado, 22 de maio de 2010

A PAIXÃO DA ESCREVA MINA

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PREFÁCIOA história que vamos acompanhar foi extraída de lenda urbana da antiga cidade deSalvador inicio do sécu XVIII. Em plena expansão populacional de negros, índios e brancos estrangeiros. Antes, muito antes da Independência.
Baseado em fatos reais da escravidão brasileira, numa época em que a escravidão dominava e oprimia os sentimentos mais nobres do ser humano.
A história revela a paixão da negra Mina, escrava, para o branco estrangeiro. Essa é a parte fundamental do contexto nessa leitura. Torna-se empolgante na medida em que o personagem ama e não é preconceituoso, porém, aceita o racismo da sua amada como prova de amor. Por ele ser estrangeiro, acha tudo exótico, estranho. È um choque de contraste para os seus hábitos vindo de um país não escravocrata.
O que na realidade, o brasileiro era um povo em completa aceitação de preconceitos brutais e extremamente mistificadores na sua cultura e sem ter ainda a sua Pátria definida, na época. Não tinha a sua real identidade brasileira, estava em formação.
No desenrolar da história, deparamos com costumes e hábitos trazidos por portugueses e africanos que tão bem incorporaram no folclore brasileiro.
Álvaro B. Marques
A paixão da escrava Mina
Chegou aos oito anos de idade, junto com vários outros, no local chamado de “água de menino” em Salvador. Giza foi vendida logo a um rico plantador de fumo de São Félix, que a entregou a sua esposa. Esta fez dela a sua mucamba, e logo batizada com o nome de Gizélia. (01)
Era de espírito rebelde e o caráter independente dos pretos Minas(Fanti-axanti) Costa do Ouro. Foi dito que sua natureza não se adaptaria às exigências do serviço doméstico. Foi preciso, então renunciar a empregar a jovem escrava dentro de casa.
Na época da entre safra, o senhor Militão e família, residiam aqui em Salvador, na freguesia de Brotas. Moravam na chácara, possuía pomar, bananeiras, laranjeiras, cajazeiras, pitangueiras, abacaxizeiros, figueiras, mangueiras e etc. Cresciam em abundância. Confiaram um tabuleiro à Giza, e todas as manhãs ela ia à cidade carregada das frutas da chácara.
O feitor fixava um preço para a perfumada mercadoria. Desde que a soma estipulada fosse regularmente entregue todas as noites. Giza ficava livre todo tempo restante, e ainda poderia guardar para si o excedente da receita.
Em pouco, a boa aparência, e a gentileza da nova quitandeira foram notadas pelos freqüentadores da rua Direita da Piedade. O conteúdo do tabuleiro desaparecia, como por encanto, e numerosos fregueses murmuravam palavras doces ao ouvido da preta.
Foi a partir dessa época que o seu pescoço, as suas orelhas, os seus dedos se cobriram de colares, brincos e anéis. Seria para quem mais se esforçasse de agradar a bela escrava.
O nhô Militão, como era chamado pelos escravos, velho português avaro e caprichoso, não foi o último a impressionar-se pela rapariga. Fez-lhe alguns elogios e resolveu dispor dela. “Dê-me a liberdade, e nhô poderá contar com o meu reconhecimento”, respondia invariavelmente Giza, a cada tentativa de Militão.
Este achava a sua escrava bem sedutora, sem dúvida; ela, porém, valia muito e a sua generosidade não estava à altura do seu amor.
Havia algum tempo,Giza parecia preocupada. O sorriso fresco que antes vivia tão voluntário em seus lábios desaparecera. Às suas maneiras atraentes, os seus olhos ternos e ardentes, com que recebiam os fregueses, sucedera um ar de melancolia, de tristeza. De cócoras sobre a calçada, em frente ao tabuleiro, ela não se dignava mais conversar alegremente com as companheiras, nem requebrar-se sob os olhares embevecidos dos senhores.
Vendiam-se todas as mercadorias, é verdade, mas sem que ela pagasse o imposto das amabilidades e das provocações.
Ás vezes, porém, a nuvem que escurecia a sua frente dissipava-se de repente. O seu olhar iluminava-se vivamente e a sua boca desabrochava como a rosa matinal. Um homem era toda a causa. Aproximou-se para comprar-lhe algumas frutas. Esse homem, que tinha o rosto furadinho, produzido pela catapora, como um coador, ocasionava subitamente uma mudança completa nos traços da quitandeira. As pupilas da rapariga não cessavam de passear pela abundante cabeleira dourada do estrangeiro. Sua voz retomava, ao falar-lhe, o seu timbre mudava para carinhoso e doce. Oferecia-lhe as pitangas mais vermelhas as pinhas mais apetitosas.
Um encanto particular desprendia-se daquele indivíduo, e os seus cachos frisados, de um louro ardente, cor de fogo, continham para a negra um atrativo poderoso, irresistível. Seria o efeito de contraste? Seria pela novidade, pela estranheza da cor desconhecida na África e mesmo na Bahia?
Quem poderá jamais elucidar razoavelmente as caprichosas evoluções da paixão ?
Como aconteceu...Um dia esse senhor, aproximou-se do tabuleiro de Giza, que lhe apresentou dois figos devidamente embrulhado em meia folha de bananeira, deixando-os por seis vintém. Ela evitou confessar que já havia rejeitado por eles uma pataca. Outro dia, um lindo pêssego ( são tão raros na Bahia) chamou a atenção da freguesia, no meio das outras mercadorias coloridas da chácara e houve várias ofertas, mas, Giza recusou: - Já está vendido, respondia ela, aos gulosos da freguesia.
O vermelhão louro passou diante dela sem parar. O seu ar distraído de trabalhador com seus passos ligeiros provocaram a atenção da quitandeira. Chamou-o com a maior meiguice. Ele, porém continuou o caminho sem atender ao chamado. Obedecendo a um sentimento invencível, Giza, pegou no pêssego e precipitou-se no caminho do desdenhoso personagem. Alcançou-o justamente quando ele ia virar a pequena rua que conduz à rua do Rosário.
- Nhô, nhô, disse ela com embaraço que não era fingido.
- Não lhe agradaria comer este fruto do seu país ?
- Um pêssego ! Observou o estrangeiro. Oh ! é fruta rara no Brasil .
Obrigado. Hoje não o poderei comprar. Eu esqueci minha bolsa. Terminou com hesitação.
- Não faz mal ! O nhô pagará outro dia, e mesmo se quisesse dar um prazer à sua escrava... Disse ela sem ousar concluir.
Então ?
- O nhô permitiria que eu o presenteasse com este pêssego, balbuciou Giza, em seu falar de mistura com português e africano, baixando os olhos.
A toda vaidade do estrangeiro indignou-se. Não compreendendo quanta delicadeza havia no gesto da vendedeira, e quanto amor inconfessável. Revoltou-se contra a sua ilimitada pretensão.
- Um presente ! Queres dar um presente ? perguntou ele. Aceito o teu pêssego, mas, como estou sem dinheiro, receberás em troca esta jóia. E tirando do dedo um anel, entregou-o à escrava, que o recebeu com uma alegria indescritível.
Durante uma semana o estrangeiro passou sempre pela rua Direita da Piedade, trazendo na fisionomia a expressão preocupada que tinha no dia da troca do pêssego pelo anel. E não se demorou a ficar junto da quitandeira, para comprar frutas.
- Então, o nhô “corado”, desdenha os frutos perfumados e os olhares provocantes da bela Giza ? Rosnavam as outras companheiras, com irônica alegria.
Uma manhã, antes de sair da chácara, a jovem escrava fez uma mudança em seu vestir, mais cuidadoso que o habitual. Coberta de jóias; colares, pulseiras e anéis em ouro e pratas, parecia um soberbo relicário. Um chale ao ombro (pano da costa) encarnado e listrado. Finos chinelos cobrindo as extremidades dos pés, e um esplendoroso turbante de seda envolvia-lhe a cabeça. Com as suas idéias de vaidades africana, e enfim, para que suas graças tivessem maior realce, ela pegou numa caixinha chinesa, de formato exótico, dessas que se vendiam na rua do Corpo Santo, e escondeu-a no bolso da saía.
Esse objeto, cujo consumo é considerável na Bahia, pelas mulheres de cor, um feitiço; continha almíscar e outros pertences. Assim preparado e perfumado.
Giza caminhou-se para o centro da cidade, recebendo sem se emocionar, numerosos cumprimentos pelo caminho. Ao entrar na rua Direita da Piedade, dirigiu-se logo para o ângulo da antiga igreja de São Pedro. Este lugar oferece maior movimento, negras e negros, instalados ao ar livre, encostados à igreja, vendem com permissão das autoridades as esquisitas mercadorias; figuras de cera, figas de madeira, medalhas bentas e imagens representando os santos dos dias. Todos esses objetos são diversos, para cada finalidade dos fieis, tanto na igreja como no misticismo. São destinados a esconjurar o “mau olhado” ou encanto. È curioso ver-se desde cedo á fluência dos fregueses em volta desses amuletos.
Às amas de leite, são as mais numerosas, e adquirem um arsenal miraculoso que penduram ao pescoço e aos das crianças que amamentam. As moças supersticiosas e as orgulhosas senhoras não deixam de levar seus amuletos escondidos em seus fartos seios.
Giza comprou mais apetrechos duvidosos. Em todo caso, receando que o talismã que trazia consigo já tivesse perdido os seus encantamentos. Decidira substituir por outros que ainda não tivesse servido.
Giza pensava que, estando encouraçada de novo, repeliria com mais eficácia as influências maléficas das companheiras de vendas ou mesmo do local. Comprou estão mais duas figas mágicas, uma de raiz de guiné e outra de tronco da arruda fêmea e medalhas bentas de Na.Sa. da Conceição e do santo do dia Santo Antonio, por ser terça-feira. Em seguida voltou ao seu lugar habitual, onde foi acolhida por intrigantes e olhares invejosos das companheiras.
Depositando o tabuleiro sobre a calçada, Giza acocorou-se e fumou silenciosamente o seu cachimbo. Em pouco tempo os fregueses haviam aliviado dos figos e das laranjas, enchendo-a de cumprimentos, e elogios aos quais a negra visivelmente preocupada não respondia senão por um sorriso distraído.
Aquele para quem, sem dúvida ela se tinha preparado com extraordinária elegância, saiu perto das três horas, pela rua da Forca e atravessou a rua Direita da Piedade. Giza, segurava então, na mão esquerda os amuletos . Avistando o moço, agita diante de si aquele arsenal formidável, mas tendo o cuidado prévio de inclinar para o chão a extremidade do feitiço. Segundo as suas superstição, a Mina, estabelecia assim, entre ambos uma corrente de simpatia que forçaria o senhor a se aproximar.
Uma das quitandeiras, vendo a manobra de Giza, em direção a rua, exclamou: - Veja, veja! disse a sua vizinha mais próxima; Giza está cavando uma”corrente mágica”. Ora, apesar de tão engenhosa preocupação, apesar da escrupulosa execução dos sinais e das manobras prescritas pela Cabala, o homem seguiu o seu caminho, sem ao menos virar a cabeça para o lado de Giza. Esta suspirou desoladamente e deixou cair os braços, com desânimo, ao longo do corpo. Uma estrepitosa risada arrancou-a dos seus tristes pensamentos. Observou então a expressão triunfal dos olhos das outras quitandeiras. Suas irmãs da escravidão zombavam de seu desapontamento. Bem longe de compartilhar de seu desespero, aproveitavam para dar à goela. Infelizmente é essa a regra da inveja humana.
As malicias e pilherias cruel cruzavam-se o ar. “ Ah ! Meu Deus! Que desgraça ! Tantas despesas de vestuário perdida !
- Nhô “corado” tem o mal gosto de ficar insensível às amabilidades da linda preta Mina
- Giza, comprou os seus amuletos na loja de um judeu, por isso eles não podem produzir efeito. E assim argumenta: “ As medalhas não foram bentas, como deviam.”
- Aposto que esqueceu de acender uma vela de cera em honra a Na.Sa. da Conceição. Aí está o porquê não concordou com seu amor.
Giza estremeceu a estas palavras ouvidas, e recordou o efeito, um dos mais graves esquecimentos, nas circunstâncias em que ela se achava. Levantou-se logo, e depois de encarar acintosamente as quitandeiras, encaminhou-se de novo para a igreja de S. Pedro. Antes de entrar comprou em mãos de uma preta velha vendedeira, três grandes círios(velas) de um cruzado cada, logo acendeu diante do altar da celeste padroeira da Bahia. Ainda mais, antes de entrar no recinto sagrado, mergulhou por varias vezes, medalhas e crescentes na pia de água benta. Aí sim, Giza julgou-se satisfeita. Coração aliviado, cabeça em pé, ela volta a sentar-se na calçada.
O sr. Corado, voltando às cinco horas, sempre silencioso e distraído, dirigiu-se para a rua Direita da Piedade sem ter lançado um olhar à Giza.
A Mina tomou uma resolução suprema. Insensível às pilherias estúpidas das companheiras, colocou o seu tabuleiro vazio sobre o turbante de seda e seguiu o estrangeiro. Este entrou em uma loja de novidades. A quitandeira sentou-se à porta de uma casa defronte e esperou. As janelas estavam abertas de seu lugar, Giza podia distinguir as pessoas que iam e vinham da loja. Viu o rapaz aproximar-se da empregada e depois de algumas palavras trocadas com ela, penetrou no interior da loja e afinal aparece à janela do primeiro andar com o dono da casa.
Nesse momento o dia estar terminando e as luzes de óleo de peixe foram acessas. Giza esperou pacientemente cerca de uma hora, em vão. A sua melancolia e a sua rica vestimenta atraia as cortesias dos senhores moços que circulavam na rua. Giza, não dava ouvidos as propostas amorosas que lhes faziam, e iam passando.
O seio agitado, a descoberta de qualquer véu enciumado, as duas mãos cruzadas sobre os joelhos, a cabeça inclinada para um ombro, o olhar obstinado, fixo para a janela que ficava à frente, ela estava cega e surda a todos os ruídos e movimentos da rua. Dominava-a um pensamento firme, absorvente, soberano.
Afinal o estrangeiro saiu da loja. Giza correu-lhe ao encalço e atingiu-o sob as luzes da praça da Piedade. Atravessando insolentemente à frente dele, olhos ardentes, peito arqueado, mãos nas ancas, de forma que a luz do lampião refletisse em cheio no seu corpo.
- Nhô, disse-lhe com voz vibrante; amo-o. Quer amar-me também ?
Essa maneira audaciosa de oferecer o seu coração, não se parece com as práticas desavergonhado das pobres criaturas que trafegam nos passeios das ruas noturnas, oferecendo o corpo. São impulsos verdadeiros e não comerciais das meretrizes.
Ninguém ensinou as filhas da África a vencer as paixões e reprimir as inclinações naturais. O pudor, sentimento divino, que o cristianismo revelou à mulher, é desconhecido entre elas. Não existem a seu ver, convenções nem regras estabelecidas. Ignoram os aspectos convencionais e os sentimentos é o grito mais forte da razão. A seus olhos o amor é a luz verdadeira, o único princípio vivificador que não precisa de formulas calçadas por antecipação. È uma afirmação do impulso irresistível dos seres que amam, é render-se piedosa homenagem.
Só havia uma soberba fraqueza, no gesto de Giza. A lei que consagra amores de amantes e amores legítimos não foi feita para escravos. As instituições e os preconceitos proíbem a estes, uma afeição honrosa e legalmente repartida com outros. Fora de sua esfera os laços que eles formam nada têm de respeitáveis. Ainda mais, para eles, confundem-se todas as noções, as mais vulgares do bem e do mal. A conduta da sociedade a seu respeito, os exemplos distorcidos da igreja, que se produzem diariamente a seus olhos, são causas infalíveis de embrutecimento e desmoralização.
Ora, uma cativa que possui um sentimento profundo e que é levada por força irresistível, não hesita em despir a sua alma. Divaga, nas regiões puras, luminosas, etéreo da paixão.
A beleza de Giza, enquanto ela posava assim diante daquele homem, sem embaraço, nem vergonha, revestiu-se de um caráter majestoso, dominador, que rapidamente produziu resultado e naturalmente a sua fé movida pelo feitiço africano. Assim acredito. O estrangeiro foi logo subjugado pela expressão nobre, altiva, simples ao mesmo tempo, reveladora da sua fisionomia. Envolveu a negra num olhar reconhecido e respondeu com emoção : Mereces ser amada, obrigado. Aceito a oferta do teu coração.
A sinceridade e a espontaneidade desse amor africano, acabava de apagar de seus olhos o que a sua explosão podia ter de brutal, ela deixou no ar um perfume embriagador de inocência primitiva. A grosseria aparente do ato, desaparecia diante da grandeza do sentimento que o inspirava.
E assim devia ser. A partir desse dia Jean Batist ( o estrangeiro) francês, que teve o apelido de “ corado”, não mais pensou outra coisa: “ arrancar Giza daquela triste situação.
Jean, não possuía o dom de ser amado. Trouxera da Europa para a América, desgostos de toda a sorte. Com o tempo, a sua tristeza transformou-se numa doce melancolia, que se modificou sob a influência das atitudes de amor da alma generosa e expansiva.
Suas tentativas de amar uma mulher e ter família, não tiveram êxito. Sua barba cor de fogo e seu rosto marcado pela catapora, como é chamado aqui. Valeram-lhe um desdém que o afligiu profundamente. Apesar da elegância do seu porte e da elevação da sua inteligência como complemento, a encantadora vivacidade do seu olhar e a ternura de expressão do seu sorriso. Ele cativava simpatia.
Desprezado pela sua pobreza, achincalhado pela cor dos cabelos. Jean tornava-se misantropo e céptico. Quase sempre dizia: “È bem verdade. O homem não vence quando nascido sob má estrada”.
Pode-se imaginar então, a revolução que se passou nele ao sentir-se amado, e amado com ardor.
Giza era escrava e como tal, separava ele com os grilhões da corrente. Mas Giza, em uma só palavra, acabava de o fazer semelhante a outros homens. Como direi ? Pedindo-lhe o seu amor, ela tratava-o como o mais belo, o mais valente. Dava-lhe confiança em si próprio sem o qual não havia sucesso.
E então, ele reconheceu o seu valor de companheira que haveria de ser, e ele encheu o coração da quitandeira de tesouro. A ternura envolvida em seu coração já esquecido há tantos anos. Sua felicidade estava longe de ser completa.Se o coração de Giza era seu, sua pessoa era propriedade de outrem. Era preciso, portanto, quebrar os ferros da escrava dedicada e mantê-la na altura do seu amor.
Jean Batist ganhava honrosamente a sua vida, mas, não podia comprar Giza. O dinheiro modesto de seus ganhos dava-lhe para ele viver simplesmente.
Quando a negra Giza, feliz pelo acolhimento do amante, entregava-se à alegria do presente, sem pensar no futuro. Amava e era amada. Que mais poderia desejar ?
Um dia, Jean, dirigiu-se a Casa da Opera Velha e pediu para falar com o Diretor. Durante a noite anterior surgiu-lhe uma idéia para resgatar Giza. Mas, para isto, dependia do Teatro. Ficou uma hora com o empresário. Ao sair do Teatro, mostrava uma expressão radiante.
Oito dias depois dessa visita, foram distribuídos nas ruas folhetos, publicaram um apelo aos sentimentos generosos dos cidadãos: “Uma escrava, jovem e bela( isto excita a imaginação do leitor) recomenda-se aos ilustríssimos senhores da Província. Uma representação acaba de ser organizada, cujo produto será destinado à sua liberdade. Trata-se de uma boa ação cristã, com todos os atrativos de uma noite de prazer. Ninguém se negaria a concorrer para essa festa teatral, cujo fim é tão evidentemente religioso”.
A interessante criatura e os nobres padrinhos que a protegem contam, portanto, com o apoio da alta sociedade Provincial, para obter a sua liberdade.”
O cartaz fixo na frente do pequeno Teatro( Casa da Opera Velha) na praça de Guadalupe, perto da rua da Vala. Trazia grandes letras vermelhas: “Peça teatral extraordinária em beneficio de uma rapariga jovem, bela e infeliz. O valor em dinheiro apurado da festa, será destinado a pagar a sua liberdade ( alforria ). Fidalgos, moços, senhoras, respondei ao nosso apelo como São Vicente de Paulo. Vinde partir as cadeias da escrava.”
A idéia teve amplo sucesso. A sala ficou repleta e a receita ultrapassou as esperanças dos interessados. N o dia seguinte, uma cena estranha passou-se na chácara do senhor Militão.
O sr. Militão à frente, cachimbo à boca, ao carregamento do tabuleiro de Giza. Quando três indivíduos apareceram à entrada da propriedade. Reconhecendo aquele que amava, Giza de um salto foi ao seu encontro.
- Pede a seu senhor que te vendas, disse-lhe Giza, a meia voz.
- Mas eu não quero vender, replicou o sr. Militão. Fazes bem o teu serviço. Estou contente contigo. Porque me queres deixar ?
Nesse momento os três indivíduos aproximam-se mais do dono da habitação e diz Jean: “ Senhor a sua escrava Giza deseja ser vendida. Queira fazer o preço da sua liberdade. Aqui estamos para lhe pagar. Tentarei lhe explicar as três maneiras oficiais conforme a lei de libertação vigente para os negros escravos. Neste momento, basta dizer que o senhor não pode, sob nenhum pretexto, rejeitar o pedido do escravo que queira ser vendido ou que deseja por si só libertar-se, pagando a importância que o proprietário exija.
O sr. Militão apresentou ainda algumas objeções, mas o Tabelião que o acompanhava Jean, e o Diretor do Teatro lembram-lhe, muito a propósito, o artigo da lei. Era mister executá-lo. O preço fixado em hum conto e trezentos mil réis, foi logo pago, e o auto do resgate imediatamente lavrado.
Sabendo que acabava de embolsar a receita da representação teatral da véspera, em benefício da rapariga, o sr. Militão não pode dissimular a sua surpresa e o seu descontentamento.
- Mas então, a rapariga era Giza ? Exclamou ele. Era Giza !
- Eu comprei um camarote para minha mulher e filha ! disse o senhor, com gesto de despeito.
- Tolo que fui ! contribui sem querer, para a sua liberdade.
- O senhor já recobrou o preço do camarote na soma que lhe chegou às mãos, continuou Jean. Ontem o senhor cometeu uma boa ação, agora conclui um bom negocio. Não se arrependa.
Não tenho palavras para expressar a alegria da quitandeira. Há coisas que se perdem nas descrições.
Giza correu para junto da dona da casa e pediu-lhe a benção. Despediu-se igualmente do senhor e saiu da chácara, levando as felicitações de todos os companheiros de cativo.
O sr. Militão seguiu-o com os olhos, até ao fim do caminho, sem poder conter um suspiro de pena. “Ela é bem bonita, com efeito, murmurou ele.”
Giza entrou livre em casa de Jean.
No dia seguinte, os comentários em termos dignos e sinceros, os sentimentos de gratidão da escrava regatada a todas as pessoas que haviam assistido à representação. Ocupou por muitos dias as rodinhas de ruas e nos saraus familiares. O interesse geral era voltado para a jovem quitandeira, sua dedicação inalterável por Jean valeu-lhe muitas simpatias principalmente no meio francês, mas, sobretudo entre as pessoas que são contra aos preconceitos brutais da escravidão. Diziam os mais sensatos: “ Ela o faz feliz ! Ele fez bem.
Jean se integrou mais na sociedade, onde as ligações desse gênero são comuns entre os brancos franceses. Foi aceito a viver com a sua negra no mesmo direito dos portugueses com negras e mulatas “crioulas”.
Com o gesto e documentos de posse definitiva de Giza, o corretor acabava de dar à quitandeira uma prova de amor a que ela não podia deixar de se mostrar sensível.
Depois da Alforria, Giza não carregou mais o tabuleiro à cabeça. Renunciou as vaidades de luxo provocantes que deixavam a descoberta as generosas proporções do seu corpo. Os seus olhos sempre orgulhosos perderam a arrogância. O amor revelara-se o pudor.
Satisfeita da sua sorte, ela ocupava-se do interior da casa e empregava todo o seu tempo em tornar a vida suave e fácil de Jean. O corretor de mercadorias redobrava o ardor no trabalho. Giza legitima preta Mina que era, vinda de lá muito pequena, era considerada “crioula”, pois sabia falar com mistura o português e o dialeto Mina. Apreciava as jóias e os enfeites. Jean, já conhecia este gosto, gastava um bom dinheiro em presentes. Encaminhava a cada dia um novo negocio e em cada mês proporcionava uma encantadora surpresa à sua amante.
A abundância e a alegria, completava o amor de ambos, a envolver o lar, quando a febre amarela invadiu a região, causando grandes mortandades e fugas para os lugares mais distantes. Giza tremeu pelos dias de Jean. Este tinha pavor da doença em Giza.
O corretor lembrou que tinha um amigo Moreira, na Província de São Jorge dos Ilhéus. Era grande comerciante de fumo e algodão, para quem ele havia feito vendas para o Rio de Janeiro, e que o convidara por várias vezes para caçar em sua companhia.
Outro motivo determinava-o a dirigir-se para lá. O pai de Giza, vendido no mesmo tempo que a filha, tinha pertencido sucessivamente a diferentes senhores. Sob a insistência de Jean, o comerciante Moreira, decidiu seguir o rasto do velho. Foi bem sucedido nas suas indicações. Antonio fazia agora parte da escravaria do sr. Miguel Pedregulho, cuja moradia ficava situada á meia légua de São Jorge dos Ilhéus.
Dois guias escravos do sr. Moreira acompanharam a jornada, João e Lázaro. Obedecendo as ordens do patrão, eles facilitariam os meios de transportes até a fazenda do proprietário do velho Antonio.
Tudo arranjado para a partida. Só Jean estava ansioso, sua paixão pela caça, o desejo de juntar o pai à filha e o descanso do trabalho, tudo a compelia a fazer essa viajem.
Seguiram viajem no sumaca “Boa Aventura”.
Faço respaldo com o papel confiado à mulher de cor nas Províncias brasileiras segundo as declarações de Louis Français Tollenare no seu manuscrito: Notas Dominicais ( tomadas durante uma viajem em Portugal e no Brasil, cujo período de1816 a 1819, levou o rico comerciante de Nantes – exportador de algodão e tecido na Bahia, escreveu tudo que via.) “ As brancas nas colônias portuguesas são fisicamente inferiores às crioulas, principalmente as negras minas, angolanas e jêjas. As brancas são muito gordas e desajeitadas, não fazem nada, só as escravas trabalham.” Dizia Jean:Ainda hoje, não tenho em vista senão a beleza das formas. Mas bem entendido, cada vez que falar da negra é sempre a negra Mina. Ela supera admiração e é cheia de qualidades que satisfaz a qualquer homem de bom gosto”.
Tal é o papel que desempenha na colônia a mulher de cor; a irresistível atração que arrasta para ela o crioulo e o europeu tem seus méritos: as formas sedutoras, a fidelidade, a honestidade e a humildade fraterna, o tempero culinário e o amor familiar, são envolventes.
É com essas qualidades exclusivas que o corretor sente por Giza. Não têm interesse por outra, mesmo sendo branca. Quanto mais conhecia, mais apreciava essa natureza dócil que ainda não tivera de ser corrompida pelo cativeiro.
A dedicação da preta era sem limites, como o seu reconhecimento. Sua alma, fecundada pela felicidade, atingia sem esforço os cimos luminosos que existem na alma do corretor. Giza cercava constantemente Jean de cortesia e cuidados mínimos.
Assim, durante as refeições, ela nunca consentiu em sentar-se à mesa com ele. Servia-lhe com uma amabilidade respeitosa e não jantava senão depois dele ter acabado as refeições. Mas compartilhava do leito somente em sua casa.
Giza, não podia esquecer que Jean era um senhor branco, e que pela cor ela lhe era inferior. Ignora ainda, tão dedicada, tão sincera na sua afeição, que o amor aproxima as distâncias e constitui a perfeita igualdade. Sem igualdade não há amor, nem amizade. Isso só o tempo e a convivência irá mostrar a diferencia de ser escrava pra ser livre. A escravidão criou essa desigualdade em toda a história da humanidade.
Chegando ao pequeno porto de São Jorge dos Ilhéus, descarregaram às bagagens e esperaram o comerciante Moreira e os seus dos escravos guias.
Prosseguiram nova viajem agora em montarias. Lázaro e João conhecem a estrada não é grande, até a fazenda “ Três Mares” habitação do sr. Pedregulho.
Sabendo que estava no fim da viajem, Giza não podia reter por mais tempo a sua impaciência. Ela marchou na frente e nós seguimos. Com três ou quatro horas após, chegaram à fazenda. O sr. Miguel Pedregulho, avisado da chegada, veio receber os visitantes à porta do casarão.
Ao avistar, deu solenemente três passos para frente, executando em cada um deles uma profunda reverência. Retribuíram os gestos e o sr. Pedregulho, estendeu a mão.
- Minha casa está as suas ordens, disse com sinceridade à Jean e sua comitiva.
È normal encontrar nas fazendas e nos engenhos uma hospitalidade franca e acolhedora. Principalmente nos recôncavos baianos. Uma fazenda na Bahia, é geralmente uma herança que ocupa ordinariamente grande extensão de terras cultivadas. Mais ou menos uns duzentos escravos. A sua exploração não comporta um pessoal tão numeroso quanto de um engenho. Encontra-se nesse meio, trabalhadores de todas as funções; pedreiro, serralheiro, carpinteiro, fundidores, etc. e por menos que seja a fazenda, sempre dispõe de um capelão e de um médico ou curandeiro. Nessas propriedades matam habitualmente um boi por quinzena e três a quatro carneiros por semana.
Conduzido ao salão da casa, o sr. Pedregulho declarou-se ser amigo do sr. Moreira e que o mesmo tinha-lhe prevenido da nossa visita, colocamos a par dos motivos.
Disse que, o escravo Antonio estava, de fato, em sua casa e ele o venderia sem constrangimento. Porém, deva prevenir de que é muito má pessoa. Ocioso, ébrio, ladrão. Antonio possui todos os vícios, sem ter nenhuma qualidade dos negros da sua raça. É um Mina degredado. Antonio, viciado na cachaça, ficava três a quatro vezes por semana impossibilitado de fazer o seu serviço, e nem o chicote o podia corrigir.
- O mal é de nascença, Antonio nunca se emendará, rematou o sr. Pedregulho.
- O que o chicote não pôde fazer o amor de sua filha obterá, disse Jean.
- O fazendeiro sacudiu o ombro.
- Bem se vê que o amigo é francês, observou ele, e não conhece esta raça. Mas, o senhor vai ver o Antonio. Mandei chamá-lo, será um milagre, se não estiver embriagado.
No caminho do corredor do casarão, Jean deparou em sua frente com uma porta que fazia comunicação com um salão e uma peça mobília mais retirada. Por ela, entreaberta, percebe-se Jean, com uma dúzia de negras ocupadas em bordar. No meio delas, achavam-se duas senhoras, ajoelhadas sob esteiras, tendo a cabeça apoiada nos joelhos de duas mulatas, suas mucambas, por certo. As duas senhoras, mal vestidas, os cabelos em desordem, indolentes deitadas, eram a mulher e a filha do sr. Pedregulho. Entregavam-se de corpo e alma, naquele instante, ao enlevo tropical que se chama cafuné ( coçar a cabeça e matar com os dedos os piolhos ou pulgas, caso tenha no couro cabeludo). (2) Ainda tive, diz Jean, tempo antes de fechar a porta, e ver esse quadro singular dos costumes brasileiros.
Um escravo, conduziu Jean a um quarto que era destinado, ao mesmo tempo em que duas escravas acompanhou, trazendo cada uma sobre a cabeça um grande jarro d’agua para lavar os pés. Eis um costume bíblico que se encontra em quase todas as casas baianas. Principalmente nas casas ricas. Jean não aceitou, pediu para tomar banho no rio de corpo inteiro. Ficaria constrangido com esse aceite. Era seu hábito, explicou. Dispensou as mucambas e segui para o rio. Ao voltar, encontrei Giza, que já tinha feito a toillet. A Mina não esquecera de renovar o seu perfume de almíscar, que espalhava por toda a parte um cheiro violento, capaz de entontecer a inglês mais apaixonado por esse perfume.
O sr. Pedregulho esperava Jean no salão de refeição. A seu lado estava o capelão da fazenda e dois jovens robustos perfilados em suas casacas negras. Eram seus filhos, saudaram Jean e caminhamos para uma grande mesa farta. O melhor da culinária estava ali.
Ao observar os filhos do sr. Pedregulho, Jean notou a severidade do seu traje no mais velho, nos seus 15 anos, com ar de aborrecido. Sua casaca não tinha uma dobra e o seu calçado de verniz estava impecável. Mantinha-se perto do pai com pose afetada, o pé direito um pouco para frente, uma das mãos metida no bolso da calça, a outra entre a camisa e o colete. O seu olhar apagado traindo uma fadiga precoce. O sr. César, vivendo no meio de jovens escravas irritantes e faceiras, estavam já iniciados em todas as praticas sexuais que a idade tinha a descobrir.
Depois do laudo almoço, o sr. Pedregulho convidou Jean para visitar a sua oficina de cordoaria de piaçava. Disse que tinha dado ordens para que Antonio, ao chegar viesse ter conosco. Mal havíamos saído de casa, o fazendeiro apontou para um negro que caminhava em direção a nosso lado.
- Aí vem o bêbado.
Pelo visto, o escravo merecia bem essa qualificação. Andava em zigue e zague e tremia em cima das pernas.
- Giza, ao ouvir dizer que o negro se aproximava, era seu pai, dirigiu-se para ele. Ajoelhando-se aos seus pés, pediu-lhe a benção. Antonio lançou-lhe um olhar assustado.
- Sou sua filha Nidayá Solé, disse a Mina, com profunda emoção. Esse era seu nome nativo, somente ela e o pai sabiam.
- Reconheceu-me, meu pai ?... porque venho tirar-te os grilhões.
- Minha filha Nidayá, é você mesma ? Repetiu o escravo maquinalmente, dando uma gargalhada. Se você é minha filha, dá-me então uma pataca para comprar cachaça( é evidente que Antonio,falava com mistura da sua língua nativa.)
Um grande desgosto invadiu o coração, diante de tanta degradação, Giza soltou um suspiro de dor, e tomando em suas mãos as do pai, declarou.
- Sou sua filha e aqui estou para comprar sua Alforria. Quer ser livre, meu pai? O rosto do velho iluminou-se ao ouvir estas palavras.
- Livre ! Livre mesmo ! Terei o direito de não trabalhar mais e de beber tanto quanto quiser ! Oh ! neste caso é mesmo minha filha. Filha querida ! exclamou, abrindo os braços. Teve que apoiar numa palmeira para não cair.
O sr. Pedregulho interpelou-o severamente, chamando-o de cachorro. Jean interveio, dizendo-lhe que a liberdade não o dispensava de trabalhar, e que seria com o lucro do trabalho que ele a teria de resgatar.
- Todos nós trabalhamos na cidade, disse Giza. O sr. também trabalhará. Ao chegar à Capital, receberás uma corda, um cesto e serás “ negro de ganho”. Assim, pouco a pouco, poderás com o teu trabalho entregar ao senhor o dinheiro que ele gastou para a tua libertação, e eu, por minha vez, serei muito feliz de poder viver perto de meu pai.
- Antonio refletiu.
- Quanto será preciso para me comprarem ?
- Seiscentos mil réis, porque és um ébrio, um mandrião e um ladrão, respondeu o fazendeiro.
O negro virou-se para o corretor, estendeu-lhe a mão e piscou um olho.
-Seiscentos mil réis ! Olhe que isto não faz poucas patacas, observou. Que o nhô me dê este dinheiro e vá me deixando mesmo na fazenda. Aqui tenho o que comer, o que vestir, onde dormir, e a cachaça, será o remédio para as chibatadas. Com seiscentos mil réis serei um escravo rico. Muito melhor do que trabalhar para viver.
Não é possível maior rebaixamento, diz Jean.
O fazendeiro dirigiu-se a Antonio, levantando a mão. Giza, lançou-lhe um olhar suplicante para o sr. Pedregulho, ele compreendeu.
Jean afastou-se com o coração apertado, deixando a negra com o escravo embrutecido.
Foi lamentável a conversa do sr. Pedregulho a respeito da incontestável inferioridade dos negros. A cena que acabavam de assistir dava idéia da objeção de certas raças africanas. Há outros que são mais orgulhosos de sua raça e fazem tudo para obter a sua liberdade.
Jean protestou das palavras ditas pelo sr. Pedregulho. Fazendo ver se ele tornou-se um desleixado, bêbado, foi por causa da escravidão e já não mais acostumava com a idéia de liberdade. Para ele essa palavra era falsa, mentirosa. A bebida fazia esquecer tudo, a dor e a família. Sua mente já não raciocinava mais.
Caminhamos e entramos na oficina da cordoaria.
A propriedade do sr. Miguel Pedregulho, era uma grande extensão de plantação de fumo e outra parte de algodão. A casa de morada ocupava um só andar e era bastante grande. Habitava sob o mesmo teto o capelão quando visita e quando havia batizado, casamento, festas religiosas,etc. O médico quando chamado, e o feitor-mór no quarto dos fundos e todos os familiares mais íntimos do casal. Reservamos o quarto do casal e filhos. Quase sempre, nessas fazendas ou engenhos tinha uma pequena ermida aos cuidados dos proprietários das fazendas e assistida pelo pároco.As senzalas formavam uma linha circular em torno da casa grande. A esquerda no alto via-se o telhado do armazém, e ao lado direito o telhado que servia para a principal indústria da fazenda à cordoaria, simples e rústica.
Dois troncos de tapinhuam, madeira mais dura que a massaranduba, e que o vinhático, sustentavam, de cada lado, todo o peso do casarão. Outros barrotes de pau-d’agua, apenas desbastados, dispostos regularmente, formavam as bases sólidas de um telhado grosseiro, dessa chamada oficina.
Assim, tal como acabo de descrever, esse telhado resistia às mais fortes tempestades, oferecendo confiança e abrigo.
Lá encontramos uns cinqüenta escravos de ambos os sexos e de todas as idades, trabalhavam nessa oficina rústica, que deveria medir vinte metros de comprimentos sobre oito de largura. Era aí que se fabricavam os cabos sólidos e grosseiros que se faz com a fibra da palmeira, chamada de piaçaba. Produto de grande comercio dessa região e do recôncavo baiano.
O quadro que vi era interessante e cheio de animações, disse Jean; negras de braços nus, preparavam os fios da palmeira, trazendo algumas delas um filho às costas, isto é, preso com um xale(pano da costa), de modo que seus braços estejam livres, costume de origem nativa. Moleques tocam com os dedos as rodas e outros seguravam uma caneca cheia de água, seguindo os negros, quase nus, que andavam aos recuos, enquanto, com as mãos hábeis, ajudam à torção das meadas linhosa. Entre os trabalhadores, chicote à cintura, o feitor português de ar cismado, com meio charuto detrás da orelha. Chapéu de palha com abas largas, camisa de algodão grosso, calça também de algodão dobrada em ambas as pernas e tamanco nos pés. Em outras fazendas ou engenhos, o feitor é mulato de confiança.
Toda essa atividade, esse barulho, esses cantos dos escravos, essas faces multicores, compõem um espetáculo pitoresco e real para o estrangeiro.
São Jorge dos Ilhéus tem esse forte mercado produtor, cujo destino é Salvador e outras Províncias. A produção de piaçaba é de grande importância para a região depois do algodão e fumo. Os cabos de piaçaba resistem melhor que outros à ação do tempo e da umidade. Os marítimos preferem para o serviço de atracação. Não é conhecido na Europa. A fabricação é rudimentar, poderia ser bem mais rápido se fosse empregado novos processos no enrolamento das fibras.
Muito mais que a colheita do algodão e fumo, a fabricação de cabos assegurava ao sr. Pedregulho grandes vantagens financeiras. No ano anterior, graças a sua cordoaria, ele obtivera um lucro de sete contos e algumas centenas de mil réis. Já o algodão, o preço sempre em desordem e a praga era constante. O fumo com pouco plantio dava para o consumo dos escravos.
Saímos da oficina e fomos de encontro à capela, onde ao entrar deparamos com Giza, em genuflexo diante do altar de Na.Sa. do Rosário em reza fervorosa. Sem duvida, implorava à Virgem Maria que fizesse seu pai voltar para a sua companhia. Respeitamos aquele piedoso recolhimento, até Giza terminar suas orações.
- A Virgem vai me ajudar, tenho esperança agora, disse Giza a Jean.
Em vista disso, aceitamos por essa noite a hospitalidade do sr. Pedregulho.
Dirigimos à sala de jantar, onde tive a honra de apresentar as minhas homenagens à dona da casa e à sua filha. Tão diferentes estavam nem pareciam aquelas.
A mesa estava posta com muitas iguarias. Um apetitoso leitão, manjar apreciadíssimo dos portugueses e brasileiros, atraiu-me a atenção. Exposto em grande bandeja oval de prata, entre uma galinha sem cabeça e a feijoada nacional. Uma salada ornada de rodelas de cebolas, vinho do Porto e Lisboa, farinha de mandioca em elegantes farinheiras, talheres em prata, pratos de faiança azul de fabricação inglesa, tão divulgada na América do Sul. Pequenos guardanapos em finos tecidos franjados, colocados sobre os pratos, formando um conjunto bem posto. Copos em cristais também ingleses e lindo jarro com flores do campo, no centro da mesa.
O copeiro, de boa aparência, ocupava o seu posto à direita do senhor. Era um negro, vestido a rigor com casaca. Duas mucambas de corpo semi nus, cada qual com a sua linda rosa metida entre os cabelos, postavam-se atrás das senhoras. Eram duas jovens mulatas, de corpos flexíveis, sorrisos provocantes, olhares ousados, cujos traços fisionômicos iguais as dos filhos do dono da fazenda e não escondiam o ar de semelhança.
É mais um costume português, a esposa e a filha, ficam em seus aposentos o tempo todo e só são apresentadas no almoço ou jantar ao estrangeiro visitante. O fazendeiro ou senhor de engenho, tinham os mesmos hábitos com suas mulheres. Elas tornavam-se invisível durante a permanência do visitante.
Como dizia um português fazendeiro: “ Uma mulher já é bastante instruída, quando lê corretamente as suas orações e sabe escrever a receita da goiabada. Mais do que isso seria um perigo para o lar”. Desse provérbio, nasceu um hábito odioso, consciencioso praticado em Portugal e introduzido por Cabral e seus companheiros no Brasil, hábito esse que dominou por mais de três séculos.
A desconfiança, a inveja e a opressão resultantes, prejudicavam todos os direitos e toda a graça da mulher, se não era para dizer a verdade, senão a maior escrava do lar. Os bordados, os doces, a conversa com as negras, o cafuné, o manejo do chicote, o aprendizado no piano e aos domingos uma visita à igreja. Eram todas as distrações que o despotismo paternal e a política conjugal permitiam às moças e às inquietas esposas.(03)
Francamente, as exigências dos senhores eram exageradamente tenebrosas e previdentes. Havia mesmo entre eles que se vangloriasse de degradar sistematicamente a mulher, condenando-a a ignorância e a reclusão perpétua.
As mulheres legítimas sejam por indiferença ou impotência, e algumas por orgulho. Fecham os olhos para não vê a traição do marido com as escravas. Autorizam sem querer, com o seu silêncio, essas uniões adúlteras que aumentam o capital e o numero de escravos e mais que tudo, favorece a riqueza patrimonial.
Assim, simultaneamente, vivem os filhos da dona da casa em promiscuidade com as filhas das escravas. À medida que crescem juntos, a linha de separação se estabelece, brutal inflexível, entre esses filhos de um mesmo pai. Por fim, os irmãos são escravos dos irmãos e apanham deles. Mais tarde, na idade das paixões os jovens senhores esquecem facilmente que essas belas mulatas, de andares indolentes, inflamados, são suas próprias irmãs.
Dessa união incestuosa, vivem em todas as fazendas, todos os engenhos e todos os proprietários das grandes explorações, são verdadeiros sultões, e não deixam de usar de suas prerrogativas, sem mesmo admitir que ao capítulo do dever recíproco suceda o que trata dos direitos.
Há certas senhoras de fazendas e engenhos, que não admitem a traição do marido e castigam a escrava faceira, aplicando vários métodos cruéis de torturas, pondo muitas vezes a mutilações. Isto no caso de domínio no lar, caso não, só com a permissão do marido. E se ele tiver caso com a mucamba, nem pensar, ela não terá esse direito a tamanha atitude.
Ouvi comentários de fazendeiros e senhores de engenhos, que havia certos senhores(omitiram os nomes) que tinham em seus domínios escravos reprodutores. Na função exclusiva de “garanhão” aumentava a prole na fazenda. As escravas solteiras e viúvas eram obrigadas a deitar com o “garanhão”. Pois só assim, eles evitariam a compra de novos escravos.
Retornando a nossa história: Assim, já era noite. Os escravos que haviam aproximado para pedir a benção (04) interromperam a conversação, cada um deles passaram, por sua vez, diante do fazendeiro, da esposa e dos filhos, e estendem a mão para a frente, como pedisse algo e pronunciam a forma sacramental: “ A benção “, nhô ou sinhá, sinhozinho ou sinhazinha, conforme a pessoa, até os estrangeiros eles pediam a benção. Em seguida, silenciosos, vão para as suas ocupações, quando o ato é pela manhã e se for à noite, vão para a senzala.
Dei ordem a Lázaro e a João, guias, para no dia seguinte pela manhã, cedo, seguirmos viajem. Fomos para os nossos aposentos. Sendo que os escravos do sr. Moreira foram para uma senzala de homens solteiros, mesmo aqueles que não pertencem ao fazendeiro, é lá que ficam.
No caso de Giza, ela não ia dormir na senzala, mas dormia junto das mucambas
da casa. Eu não me conformava com essa atitude. Mas, nada podia fazer, mesmo porque ela se achava que não tinha esse direito. Só em minha casa é que ela aceitava esse direito, natural de todas as concubinas.
Antes de recolher, fui perguntar a Giza o resultado da sua entrevista com o pai. Balançando tristemente a cabeça disse: “ A cachaça, esta noite, privou da razão o velho Antonio. Amanhã meu pai testemunhará o seu reconhecimento ao sr. Jean, e será feliz por se ver livre, graças à sua bondade.”
O sono venceu o corpo, e pela madrugada, fui despertado por movimentos dos escravos que começavam os seus trabalhos.
Já o sol nascendo, fomos à sala, com mesa posta de varias iguais frugal. Enquanto bebia o último gole do saboroso chá de folhas da região, Lázaro e Antonio preparavam as montarias para chegarmos a São Jorge dos Ilhéus.
Giza apareceu em companhia do pai. A Mina, tinha um ar triste.
Antonio, que não tinha bebido, repetiu a declaração da véspera. Repudiava uma liberdade que condenava ao trabalho perpétuo. Não queria arriscar-se e passar fome, o que lhe aconteceria infalivelmente nos dias em que a cachaça lhe tirasse as forças e a razão. Na fazenda, ao menos, teria sempre o seu quinhão de farinha de mandioca, de carne seca, um lugar para dormir e uns trapos para cobrir o corpo.
Ainda não foi tudo, disse que; livre, ele se esgotaria para pagar, pouco a pouco, a divida que tivesse contraído com o senhor francês. Consumiria a vida a trabalhar para outrem. Na fazenda as obrigações são mais leves. O chicote ainda permitia um pouco de preguiça, enquanto na cidade, era preferível continuar como escravo. O animal estava acostumado ao cabresto, não podia passar sem ele. Já velho, com idade três vezes trinta, o corpo cansado, morreria antes de pagar a dívida.
O fazendeiro olhou-o com sorriso de afirmação da sua suspeita.
Giza deixava cair grossas lágrimas, misturadas de vergonha e indignação. Antonio, ruminando a sua degradação, causava a filha, piedade e horror ao mesmo tempo. Jean, não tinha palavras para expressar o seu desprezo pelas palavras ouvidas.
Nhô Jean, disse-lhe Giza; cumpri o meu dever, graças ao seu bom coração. Meu pai, porém, recusa a liberdade que lhe trago. Antonio interrompeu, e estendendo-lhe a mão, como um mendigo, murmurou com um sorriso ignóbil.
- Recuso a liberdade, mas não as patacas.
- A revolta sufocou a compaixão de Giza. Partiremos agora ! exclamou a Mina. Repentinamente, virou-se e aproximou-se do pai e tirando um anel do dedo, ofereceu-lhe.
- Guarde-o como lembrança de sua filha Nidayá.
- Quanto vale ele ? perguntou o velho cínico.
Era demais. Chegara a hora da partida. Saímos com os corações angustiados.
Despedimos de todos em especial ao sr. Pedregulho e família. Com agradecimentos pela hospitalidade.
Giza, ainda olhou duas vezes para trás, a fim de ver seu pai. Porém, Antonio, preocupado com o preço do anel, nem sequer levantou os olhos.
Ao montar no animal. Giza suspirou, dizendo consigo mesmo, em voz baixa: Minha mãe já morreu. Meu pai recusa seguir-me estou só no mundo.
Jean ouviu e acrescentou; esqueceste que estou aqui e que te amo, Giza.
A Mina estremeceu. A sua fisionomia brilhou com reflexo de um profundo prazer interno. Olhou-o com ternura para o corretor e confessou: A Mina bem que queria morrer pelo nhô !...
Ao chegarem a São Jorge dos Ilhéus, encontraram a sumaca “Boa Aventura” prestes a zarpar. O sr. Moreira, em pé, esperava-nos e comunicou que houve um adiamento e se nós estávamos prontos a seguir viajem ? Disse-lhe que sim.
A sumaca preparava-se para saltar os panos, e entramos na embarcação.
O corretor pediu ao Capitão para ele nos deixar em rio das Contas, onde ficava a fazenda do amigo Carlos Serra, freguês de vendas. Lá iria descansar e assim fez.
Fazia dois meses que Jean, esquecido da cidade de Salvador e dos negócios, passava o tempo a caçar as margens do rio, quando recebeu uma carta enviada pelo sr. Moreira, escrita pelo chefe de uma grande casa comercial de Salvador. Forçava o corretor a deixar à fazenda do amigo. Apertou a mão do sr. Carlos Serra e voltou à São Jorge, onde embarcou para Salvador num vapor da nova Companhia do comendador Antonio Pedroso de Albuquerque.
Chegando lá, foi designado um grande pedido de algodão para ser comprado em Pernambuco, onde já tinha vendedor. Essa missão importante confiava-se ao corretor, sendo que ele desempenhou satisfatoriamente, embarcando toda a carga para um navio com destino a Inglaterra.
Da cidade de Recife, dirigiu-se ao povoado de Anális, cujo habitantes se dedicam unicamente à cultura do algodão. A safra neste lugar é de grande valor no mercado externo, é de boa qualidade.
Partiu de Anális com sua Mina fiel, armada como ele, de um fuzil, e conduzidos por um negro que levava às provisões. Dirigiram para a região da Serra da Barriga, para ver os Quilombos dos Palmares, era conhecido como a capital do Império Negro.
Os campos de algodão desapareceram à retaguarda. Entraram em uma imensa chapada, onde Jean caçou, aqui e acolá, algumas graúnas e jaburus, que pousavam nas margens de um pequeno rio. Caminharam uma hora, enquanto o guia consultava às vezes o caminho demarcado na terra, nas rochas e outras vezes no horizonte. O corretor e Giza seguiram à distância, sem preocupar-se com o caminho, ocupados em alcançar uma revoada de cardeais que passaram à esquerda. Já tinham caminhados em cima de jumentos um bom tempo. Quando a fome e a sede aumentaram, procuraram a bolsa de couro com água e constataram sem o líquido, percorreram em volta para achar o guia, não encontraram.
Ao cair da tarde, chegaram afinal a um casebre abandonado, rústico, aberto portas e janelas. Era um rancho em ruínas há muitos anos desabitado. Nômades que fugiram da seca e da fome. O sertão de Pernambuco é inclemente nesta época do ano.
Apesar do excesso de fadiga que invadia os seus membros e os atrozes sofrimentos causados pela fome e sede, poderam gritar de alívio em ver este abrigo. Jean, que tinha em seu ombro uma sacola, revisou, só encontrou alimentos deteriorados pelo sol abrasador. O animal de carga já tinha sido sacrificado no caminho e não restava mais esperança. Repousaram em esteiras velhas, só por alguns minutos e ouviram ruídos estranho do lado de fora do casebre. Correram todos para fora e a Mina voltou à cabeça para o lado, donde veio o barulho. Percebeu uma enorme corda escura, estendida a alguns metros do lugar onde eles se achavam. Dois olhos verdes miravam-na fixamente, e a extremidade da corda chicoteava a terra em redor, com movimentos bruscos, que indicava uma cólera prestes a explodir.
Essa corda era uma enorme réptil, chamado sucuri. Mede em geral de dez a quinze metros de comprimentos, e não hesita em atacar quando impelida pela fome, os viajantes do sertão. Os maxilares do sucuri têm uma elasticidade poderosa. Há casos de serpentes como essa engolirem um boi inteiro, e depois ficarem por muitas semanas, entregue a um abatimento que se estira, sem defesa, no meio da estrada à mercê dos habitantes da região. Essa que acabava de aparecer, estava devorando um animal, e pelos movimentos da calda, mostrava bem quanto aquele encontro lhe seria inoportuno.
A pesar da fadiga do corretor, a idéia de acabar com o repugnante réptil, refez-lhe por um momento às energias. E levantou o fuzil para atirar e atirou certeiro na cabeça do animal rastejador, espalhando pedaços e sangue ao redor.
Depois caiu ao solo, sem forças, a fraqueza dominara. Giza, desesperada sem saber o que fazer, gritou o nome de Jean várias vezes e sacudiu o corpo inerte. Caminhou pelo bosque seco á procura de algo para comer ou beber água. Encontrou no terreno pedregulho, cacto e imediato correu para ir de encontro a Jean. Giza espremeu os dois pedaços de cactos na boca de Jean e o mesmo abriu os olhos, reconhecendo a companheira. Levantou o corpo de Jean e caminharam com muita dificuldade. Jean já não tinha forças para carregar o fuzil, deixou no chão. A cabeça, a cada segundo, ficava-lhe mais pesada. Ruídos surdos atordoavam-lhe os ouvidos e a luz do dia um declínio, já lhe faltava a vista. Giza compreendeu o seu estado de vida e deitou o corpo de Jean em baixo de uma árvore seca. Caminhou em volta e viu um imbuzeiro quase sem vida, próprio da região. Pegou alguns frutos redondos e doces, chupou-os e colocou o sumo na boca de Jean e deixou vários deles em sua mão.
Jean não perdeu a memória, pensava na França e seus familiares. Pensou em Giza, faz força para abrir os olhos e nada. Pensou que a morte já teria tomado conta do seu corpo. Nesse momento, uma voz elevou-se do outro lado do bosque. Era um canto familiar voz de Giza em seu linguaja africano com português. O abatimento do corretor diminuiu um pouco. Sacudiu o torpor que lhe paralisava os membros e consegui ficar de joelho. Prestou o ouvido com ansiedade e com esforço abriu os olhos para ver Giza. Não viu, e assim mesmo perguntou a si, onde estar ? Nada... mais escutou.
No esforço supremo, o moribundo consegue articular sons para pedir socorro. Arrasta-se nas mãos, na direção do som. Dando por fim um último gemido, cai entre as árvores para não mais se levantar. Era o que ele pensava.
Pareceu-lhe ouvir de novo a canção. Depois imaginou que o carregavam, que o deitavam numa rede, e que umas caras simpáticas curvavam-se sobre ele. Não fora o resultado de uma alucinação tudo era bem real.
Uma família de holandeses viviam naquelas paragens e no momento estavam caçando. Instalados há muitos anos ao pé da serra, ocupava-se de criação de cabrito. Ouviram o canto de Giza já muito debilitada, e ela pediu para os holandeses socorro e apontou para a direção onde estava Jean. Foi à salvação do corretor, levaram ele para a sua casa e tanto a esposa como as filhas trataram o doente os mais tocantes cuidados, graças a elas o corretor não tardou de recuperar os sentidos. Abriu os olhos, Jean procurou Giza em volta de si e chorou por ela. Só o silencio reinou. Quando soube que não tinha nenhuma notícia da companheira e do guia escravo, o corretor não quis mais ficar na casa do holandês. Lembrou-se que Giza, tentou um esforço sobre humano, e se arrastou pelo chão seco a fim de procurar algumas gotas de água para molhar minha boca. O esgotamento teria forçado a interromper a tarefa. Lembrou que durante a noite os jaguas e outros animais ferozes do sertão como também os urubús... Estraçalharam seu corpo. Foi o que pensou Jean. Foi necessário ir para o local onde se tinha deixado à companheira. Fizeram vistoria na área e logo encontraram o corpo mutilado em alto estado de putrefação. Era o corpo de Giza, morta em vários dias. Jean caiu de joelhos e chorou as lágrimas do seu coração.
Antes de deixar esse lugar maldito, tirou do dedo de Giza, o anel que lhe dera outrora em troca de um pêssego, e apesar da fraqueza que ainda sentia, fez questão ele mesmo de enterrar a sua Mina, companheira eterna.
O último pedido da Mina se tinha realizado. Morreu vítima da sua dedicação, para salvar aquele a quem amara.
Jean despediu dos holandeses, agradeceu muito por tudo que fizeram e voltou à capital da Bahia. Muito abatido, não quis mais morar na casa que fora de Giza. Meses depois, desfez de tudo que tinha e retornou à velha França.
F I M
01) – Os escravos novos, adquiridos dos mercadores eram pagãos. Para a religião católica, teria que sere batizados em breve. È nesse ato que adquire o nome português e às vezes o sobrenome do proprietário. Seu verdadeiro nome só era conhecido pelos seus conterrâneos.
02) – Cafuné: - Também conhecido como afago nos cabelos ou coçar a cabeça; carinho para dormir.
03) É bom lembrar que a mulher só veio a si libertar do domínio absoluto do lar, quando no próprio lar foi permitido entrar os livros franceses de idealistas liberais. Eles despertaram nas mulheres e nos brasileiros de modo geral, os ideais mais nobres para a sua libertação e o desejo de igualdade com o homem teve inicio no século XIX.
04) Dá-se a benção duas vezes ao dia: pela manhã, antes de começar o trabalho, e à noite, no momento em que se acendem as luzes.
È interessante saber a origem desse uso, fruto natural da escravatura, na sociedade antiga. Este costume faz lembrar ao escravo o quanto deve ao senhor, permite a este certificar-se de que não falta nenhuma “peça” do seu patrimônio.
AINDA SOBRE A MULHER - Do ensino nas Escolas Normais na Bahia, surge também o desejo da estudante de ingressar na Faculdade. E assim, foi facultado à mulher o direito de estudar ás varias profissões liberais. Sendo que as primeiras foram: Magistrado, Medicina, Enfermagem, Jornalismo-escritora. Os preconceitos e as desigualdades permaneceram com muita intensidade no passado. Hoje, bem menos. Elas ocupam todas as categorias profissionais e liberais do mundo.
A emancipação da mulher chegou com muita maturidade a anos atrás. Há casos surpreendentes em vocações profissionais que muitas vezes supera ao homem.
O homem é que se cuide.
O autor
Álvaro B. Marque

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