sexta-feira, 21 de maio de 2010

A INICIAÇÃO DE UMA ABIAN

A impressionante narrativa de uma jovem que teve várias experiências espíritas pessoais.Sua linguagem revela ser analfabeta de origem simples mas com muita firmeza em suas declarações.

“ A mãe de minha mãe era fia de um Nagô e a mãe do pai de meu pai, era índia. Ela foi pega no mato. Quando pegaram, ainda era pequena. Criaram ela no meio da nossa gente – minha bisavó.”

“ Eu tinha três anos. Tava sentada com minha mãe, quando uma coisa me bateu e eu caí desmaiada. Minha mãe me pego e me levou no dotô. Ele me deu remédio, e disse que era congestão. Pensaram que era “ ar de vento”. Eu não sabia nada do que tava acontecendo; era como si tivesse morta. Pra fazê eu miorá me carregaram e colocaram deitada na esteira no chão. Então minha mãe chamo Mamede(o pai de santo do local) pra vê o que tava me acontecendo. Ele veio, “abriu a mesa”( isto é, ele empregou alguns meio de adivinhação) e disse que era coisa de nascença. Então, minha mãe pergunto: Se ele podia me curá? Ele disse que sim. Mandou ela comprá pratos, moringa, contas, xícaras, côco seco e outras coisas. Preparo tudo isso( e submeteu tudo no ritual apropriado). Lavaram minha cabeça com água e foias sagradas. Minha mãe pergunto si pudia tirá isso tudo de mim de jeito que nunca mais vortasse? Ele disse: Isso sempre haveria de vortá.”

“Quando o pai de santo vortô, lavaram minha cabeça outra véis.Eu não sabia o que tava acontecendo, parecia que eu tava dormindo.Quando acordei tava toda “perparada” vestida de criada, com uma saia grande e um torso na cabeça. Tudo verméio, chinelá verméia também, tudo da mesma cor”.

“ Quando isso assucedeu eu era ainda pequena. O pai de santo, disse que era “encantado”. Ele “feiz o trabaio” outra veiz e fiquei boa de novo. Mas quando eu tinha sete anos, deu isso outra vêiz. Minha mãe tava com medo e pediu pra o pai de santo fazê arguma coisa. Ela pidiu tanto que afinar ele disse que ia falá com o “encantado” de jeito que não vortasse mais.”

“ O encantado não vortô até eu tê quinze anos. Então arranjaram outra rôpa de crioula e também lenços, fio de contas, puseiás e chinelas. Mandaram comprá pratos de barro, copos piquenos de barro e quartinhas. Quando tudo fico pronto, o pai de santo lavou minha cabeça com água benta. Ele disse quem era o “dono da

minha cabeça” e poquê féis isso por mim. Lá em Cachoeira, através o rio São Félix tem casa de Gegê. O pai de santo é neto de africano. Lá eu fui moá em São Félix, fui iniciada neste terreiro.”

“Na semana passada, meu pai de santo, feiz um Ebó pra mim e limpeza do corpo. Eu tava com o corpo impuro e andava prá lá e pra cá, sem sossego. Fui falá com o “chefe” do Candombé e ele “abriu mesa” e oió pra vê si eu tava memo limpa. Então ele pidiu pra eu trazê essas coisas: Mio assado, um pano preto, pipoca mé e uma vela. Passó todas essas coisas em cima de mim ( isto é, na frente, dos lados, atrás e em cima da cabeça) quando acabó pegô tudo e dexo numa encruziada na sexta-feira, é o dia bem bão pra fazé isso”.

Feito essas obrigações a nova Abian como é chamada no Candomblé, passa a ficar reclusa no camarim, entre três a seis meses, dependendo do orixá. Nesse período ela passa por outros rituais interno, raspa a cabeça, corpo marcado com pemba branca, cortes horizontais e verticais no braço esquerdo, etc. Só saindo dalí na época da apresentação do seu orixá em público é o grande acontecimento da festa. Após o seu “batismo” é quando ela é chamada de Mãe de Santo.

Os acontecimentos relatados acima foram descritos por uma jovem negra em 1931 na cidade de Cachoeira, que se tornou muito conhecida e de grande prestígio em Cachoeira e São Félix, cidades do recôncavo baiano.

( Texto extraído do livro: “ Brancos e Pretos na Bahia” – autor – Donald Pierson)

Trabalho de pesquisa de: Álvaro Bento Marques.

SSA, 26.12.2001

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