sábado, 8 de maio de 2010

A FESTA DE YEMANJÁ EM ITAPAGIPE - Folclore baiano





O folclore nasce e cresce com o costume da tradição de um povo, se ao passar dos anos o povo esquece o passado, o presente vai ser lembrado através dos registros dos historiadores. Revive com narrações o que poucos no presente presenciaram no passado. É assim que a história sabe contar.
O nosso país é bem servido no folclore, absorveu das três raças a sua constituição e em cada região o índio, o africano e o europeu, principalmente o africano, deixou marcas e misturou-se em lendas com fatos reais.
Na Bahia, em especial Salvador, tivemos várias festas populares, que desapareceram e o povo esqueceu por não terem dado a continuidade, privando aos jovens de hoje saberem.
Vamos acompanhar a narrativa do historiador João da Silva Campos no seu livro: "Tempo Antigo".
"Nas grandes festas que se faziam no terceiro domingo de dezembro, dentre outras eu destaco a festa em honra à Iemanjá na praia do Fortinho, em Itapagipe. Já existia no meu tempo.
No início da manhã, apareciam três mandús tocando respectivamente; atabaque, birimbau de boca (cabaça) e rucumbo (pequeno tambor). Os três personagens eram homens do povo, escravos ou forros, cada um com suas roupas coloridas em pedaços de panos soltos, chapéus tipo cartola de palha de coqueiro seca, com fitas em cores. Rosto pintados em cores berrantes, cantando em gêge e pulando. Atraiam o povo que formavam circulo em sua volta, às músicas revezavam-se e depois seguiam o cortejo até a praia. Aí começava o ponto alto da festa, os adeptos do culto se reunião em volta de um grande cesto, cada participante colocavam no cesto a sua oferenda ou pedido.
Eram quinze dias de festas em sambas, possessões de “santos” em plena praia, comidas afro-negras e procissões marítimas para os devotos levarem presentes à Mãe d’agua, “ que morava no palácio encantado, bem no fundo do mar”, no local entre as praias de Paripe e a ponta das Neves, da ilha de maré.
Todo o povo africano adepto ao culto gêge-iorubano achavam-se ali, deixando paralisados os serviços de: Cadeirinha de Arruar, cargas, às mulas " carro de quatro rodas, movidos à atração animal  muito comum" usados nas casas comerciais para os transportes de cargas, os guindastes dos Cais e dos trapiches e as vendas em tabuleiros de iguarias africanas. Tudo isso. “ ficava às moscas” nos dizeres do povo. Só funcionavam as casas comerciais do comércio da cidade-baixa, toda a península itapagipana estava em festa.
Cada festa tinha a sua característica popular, e essa mais que as outras porque atraía a santa maior do culto. Os participantes se vestiam com suas melhores roupas, nos seus dizeres: “iam com as roupas de domingo como se fosse a ver Deus nas igrejas”. Era um luxo de fazer inveja. Certas vendedeiras do “ partido alto” faziam questão de usarem suas roupas típicas, colares e pulseiras em ouro e prata. Os homens com roupas brancas, aqueles afamados “equeji” exibiam seus relógios patacão em ouro pendurado em corrente também de ouro, preso nas algibeiras( bolso interno da calça ou do casaco), todo posudo a olhar para as pessoas com desdém.
Em época bem remota, presidia nesse festejo um preto velho, chamado no culto “equeji”, sumo sacerdote da Ogboni, a quem todos os “equeji-orixás”( filhos e filhas de Santos) prestavam obediência e de quem todos recebiam ordens de instruções, chamado de babá ( pai ) referenciavam com as cabeças curvadas, sinal de respeito.
Esse Ogboni, sacerdote, morava perto do local das festas, onde o procurava ricos e pobres, gente de todas as classes sociais. Tinha prestígio e reconhecimento pelas maiores autoridades. Era também conhecido com o nome de tio Zuzé fora do culto. Dentro do culto chamavam de Antarés, foi o “ novo nome” que o antecessor Ogboni deu ao iniciá-lo nos “grandes mistérios” – nome que se tornou público ao entregar-lhe os destinos do culto gêge-iorubano na Bahia em todo o período de sua vida.
E assim o humilde tio Zuzé, passou a iluminado venerado Antarés, significa: “estrela refulgente do coração do escorpião, cujo signo o sol passa entre 22 de outubro a 23 de novembro” era o que diziam os adeptos do culto de influência árabe que por muito tempo persistiu e dominava nos antigos rituais da Ogboni.
Era uma tradição milenar vindo da África, este processo de cargo no culto gêge-iorubano.Porém, como todos os cultos africanos, não houve documentos escritos para que outros seguissem as regras dos seus ancestrais.Os cultos foram passados de boca a boca e assim perdeu-se a originalidade no Brasil.Mesmo na África não seguiram os seus reais preceitos, legados pelos seus maiorais.
As práticas mudaram-se à proporção que os africanos, após 13 de maio de 1888, ou se foram para suas terras ou para a sepultura. Os descendentes dos escravos que haveriam de substituir os “equejis”, fizeram cada dia da semana dedicado a um ou dois orixás, imitando, assim as devoções católicas e abolindo o uso do primeiro domingo a ser dedicado a Xangô, o segundo a Ifã e o terceiro a Obatalá.
É bom lembrar que os escravos não tinham liberdade para exercer seus cultos de origens, faziam em maioria das vezes escondidos, eram caçados e policiados pela igreja e pela sociedade portuguesa. Razão pela qual misturaram os santos da igreja com os seus orixás cultuados. Era um disfarce, que se tornou aceito por várias etnias radicadas na Bahia e no Brasil.
As festas populares geralmente, eram de fundo católico, mas o povo africano e seus descendentes aproveitavam as oportunidades dos dias santificados para expandir os seus costumes e cultos dos seus ancestrais. Esses dias eram feriados, eles não trabalhavam tinham o direito.

Em língua kimbungo – Grupo Bantu, os três mandús na festa de Iemanjá representavam Dudú, Tutú e Mandu os três grandes orixás do culto gêges-iorubano, considerado a fusão das religiões afro-negras na Bahia. Um Zambê ou Zambêta a Xangô, Cambê ou Cambaio a Ifã e Manê ou Maneta a Obatalá.

Zambê tocava ilú, Cambê tocava birimbau, Manê tocava rucambo.

A palavra Nagô dito na Bahia oitocentista eram todos os africanos que falavam a língua iorubá. Era o grupo mais solicitado pelos compradores de escravos na Bahia.

Os Deuses kimbungo – Deuses maiores:

Obatalá – da pureza e da fecundidade.
Xangô – do trovão e da abundância.
Ifã ou Ifan – do amor em todas as suas fases, do passado, do presente e do futuro. O grande adivinho.
Ochanin, Ayê-chalugá, Axá – da medicina.
Odudua – da fecundidade, da terra-mater.
Iemanjá – das águas..

Deuses menores:

Ogun – dos minerais e da guerra
Dadá – dos vegetais
Okô – da agricultura
Ochósse – dos caçadores
Okê – das montanhas.
Olocun – do mar.
Olaxá – dos lagos.
Orungan – do ar.
Aganjú – da terra firme.


Até a década de 50, havia quatro lugares em que comemoravam “ festa da Mãe d’agua”, no Dique do Tororó, no Rio Vermelho, Itapoã e em Mont Serrat – Itapagipe.Hoje só resta a festa do Rio Vermelho, comemorado em 02 de fevereiro.



Álvaro B.Marques
SSA, julho de 2006.

BIBLIOGRAFIA:

Mitos Africanos no Brasil – ( ciência do folclore )
Autor: Souza Carneiro.
Folclore Nacional – vol.I , II e III.
Autor: Alceu Maynard Araújo.
Brasil – Histórias, Costumes e Lendas.
Autor: Editora três.
Raças e Assimilação.
Autor: Oliveira Vianna.
O Negro no Brasil.
Autor:Julio J. Chiavenato.
Dicionário do Culto Afro- brasileiro.
Autor:Olga Cicciatora.
Memória histórica sobre a religião na Bahia.
Autor:Muller, Cristiano.
Os Africanos no Brasil.
Autor:Nina Rodrigues.
Religiões Negras.
Autor: Edson Carneiro.
O livro das Religiões.
Autores: Vitor Henry Nataker, tradução: Isa Mara Lando e Jastein Gaarder.

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