sábado, 8 de maio de 2010

PRECEITO QUE NÃO MAIS EXISTE

                               A FESTA DE ANIVERSÁRIO DE TIA ZULU

Era dia 2 de fevereiro, manhã bem cedo, para ir á missa solene de aniversário de tia Zulu. Ela morava no sobrado da rua Direita da Piedade, no 1º andar, casarão antigo com janelões de sacadas.
Neste dia a sala de visita estava repleta de convidados. Na sala de jantar havia uma longa mesa, revestida de linho com bordados do Ceará. Em cima da mesa, várias iguarias baianas em pratos e compotas de louças inglesas: biscoitos finos, pão de lós, arroz doce, frutas secas cristalizadas da Europa. Bebidas, café, doces variados.
Na cozinha, os íntimos se lambiam: efó de taioba, vatapá de lulas, feijão de leite de coco, muqueca de xixarro, mungunzá de caldo, cuscús de milho, cerveja, vinho do Porto, vinho de Figueira, conhaque e vermute.
Ainda na sala de visita, havia uma outra mesa redonda, com doces de calda sem ponto, da Inglaterra, queijo da Holanda, licores finos dos conventos baianos, charutos tipo Havana, feito em São Felix. Maços de cigarros Meuron, com e sem piteira.
Já no quarto de reza, um grande nicho com várias imagens de santos e logo na frente, um São Cosme e São Damião de 30 centímetros de altura, com pintura nova. Na sua frente, em vasilhas pequenas de barro, tinha cada uma  bolo de farofa de mel, oferenda para os santos mabaços.
Esses santos gêmeos era figura obrigatória nas residências de Salvador. Chamados os Santos Festeiros, no Candomblé é Orixás menores, Erês. Nesse dia não era a festa deles, mas tia Zulu fazia questão de acender velas e ofertar “bolinhos de mel” aos santos de devoção. Em todos os anos ela fazia este ritual em seu aniversário. Logo no canto do quarto, sobre uma mesa, estava uma barca pequena de madeira, cheia de oferendas; espelho, flores, pentes, perfumes, argolas, anéis colares, pulseiras, fitas e muitos bilhetes escritos, pedidos à Rainha do Mar, Iemanjá dos africanos. Também comemorava o povo africano nas praias, essa data magna do seu culto. Era o presente que tia Zulu ia entregar ao Mar no término do aniversário saida em procissão. Outra festa estava acontecendo com muita música e samba, na praia.
Lá para as tantas horas, tia Zulu dava por satisfeita as festas e retornava para o casarão. Acompanhada de suas criadas mais íntimas a comentarem o brilho das festas. Exausta dos labores de dois dias (preparação e festas) cai na cama, para acordar no dia seguinte. Com voz sonora e rouca a chamar uma de suas criadas. E assim, inicia o novo dia para tia Zulu arrumar a casa, alegre e a pensar no próximo ano “ a festa será melhor”.
Tia Zulu era viúva, não tinha filho. Morena trigueira, no olhar para ela, qualquer pessoa saberia logo que era filha da Bahia, alegre, faceira, voz grave, comunicativa sempre a porta da sua casa estava aberta e todos vizinhos e amigos desfrutavam dessa amizade e hospitalidade. Perdeu o marido cedo e herdou uma pequena fortuna em bens e terrenos, vivia de rendas. Daí então, novo casamento, não mais pensar. Dedicava o tempo em prendas domésticas, missas aos domingos e dias santos. Fazia parte de Irmandades e casas de caridades, como também apreciava os orixás africanos de sua simpatia.
Seu aniversário era bem concorrido para os seus familiares e amigos. Sempre os preparativos para o seu aniversário iniciavam há uma semana atrás, antes do dia 2 de fevereiro, era um corre e corre danado; encomendas nos Conventos, nas lojas e com os amigos do recôncavo. Para que tudo não faltasse no dia festivo, que por sinal era duplo e ficaria inesquecível, para qualquer pessoa presente.
Naquela época, tinha meus 10 ou 11 anos, presenciei muitas dessas festas até aos meus 17 anos. Foi quando a tia Zulu faleceu com muita idade e muito bem vivido Restaram às lembranças de seus aniversários e da sua pessoa, amável e socialmente adepta as coisas simples do seu tempo.
Passo essas recordações aos meus filhos e netos, como prova da personalidade que tinha à tia Zuleide Maria Marques de Santana ( tia Zulu).

P.S: A narrativa acima foi vivenciada e escrita por meu bisavô Antonino dos Santos Marques.

Álvaro B. Marques

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